As últimas semanas foram marcadas pelo resultado da votação do Parlamento britânico sobre o Brexit e pela discussão em redor das consequências da falta de um Acordo de Saída para a passagem do Reino Unido a país terceiro.

O Acordo de Saída negociado incluía um regime transitório até 31 de dezembro de 2020, aplicável em várias áreas. Mas tendo em conta o iminente no-deal, é crucial revisitar o eventual impacto fiscal do Brexit.

O impacto na área tributária advém, fundamentalmente, da passagem do Reino Unido a país terceiro, deixando assim de se aplicar vários mecanismos tributários hoje aplicáveis a residentes na UE, ou em alguns casos do Espaço Económico Europeu (EEE), que integra a Islândia, o Liechtenstein e a Noruega. Destacamos, por exemplo:

  • As Diretivas Comunitárias sobre dividendos, juros e royalties deixam de abranger o Reino Unido, pelo que, em determinadas situações, os respetivos pagamentos de dividendos, juros e royalties podem ficar sujeitos a dupla tributação (cujo efeito poderá ser mitigado pela convenção sobre dupla tributação em vigor com o Reino Unido);
  • A Diretiva Comunitária relativa a reorganizações societárias, que estabelece um regime de neutralidade fiscal para reorganizações envolvendo entidades do Reino Unido, deixará igualmente de se aplicar, dificultando assim a implementação de quaisquer operações de fusão, cisão ou permuta de participações sociais envolvendo sociedades ou acionistas do Reino Unido;
  • No âmbito do regime fiscal dos grupos de sociedades (RETGS), pode igualmente surgir impacto, dado que este regime, em parte, pode estar limitado a situações na qual a sociedade dominante seja residente na UE/EEE;
  • No âmbito das pessoas físicas, destacamos o facto de deixar de ser aplicado o benefício da exclusão de mais-valias reinvestidas na aquisição de habitação própria e permanente situada no Reino Unido (uma vez que este benefício é restrito a países da UE/EEE);
  • No plano do IVA, o período transitório previa a manutenção do regime do “IVA Europeu”, enquanto a falta de acordo tem como consequência que as transações entre entidades do Reino Unido e Portugal passem a um regime de importação/exportação já a partir de 29 de março de 2019. Quer isto dizer que a entrada e saída de mercadorias entre o Reino Unido e Portugal passa a estar sujeita à legislação aduaneira, sendo necessário cumprir com as declarações aduaneiras de importação e de exportação e (se for o caso) aplicação de taxas aduaneiras.

Outro aspeto relevante reside no efeito do Brexit nos cidadãos britânicos atualmente a residir em Portugal. Na falta de Acordo de Saída, a tutela desses cidadãos (ainda europeus) passa a estar na esfera de cada Estado-membro. Portugal já apresentou as traves-mestras de um plano de contingência, que passa, por exemplo, por garantir o direito de residência, até 30 de dezembro de 2020, de cidadãos do Reino Unido que cheguem a Portugal ou atestem que eram residentes à data de 29 de março de 2019. O passo seguinte, após esse período transitório, passa por avaliar se estes ex-cidadãos da UE estão em condições de requerer o título de residência permanente, ou não.

Perante os impactos identificados, bem como os efeitos económicos com eles conexos, os cidadãos, empresas ou a própria administração pública não estão em condições de poder ignorar o efeito do Brexit e de desenhar os seus próprios planos de contingência. Infelizmente, a realidade hoje, perante um iminente no-deal, afigura-se um verdadeiro salto no desconhecido.

Ao longo de dez artigos, o departamento fiscal da Garrigues abordou os principais desafios relacionados com o novo contexto da fiscalidade internacional. Em jeito de conclusão o próximo e último artigo desta série vai abordar os pilares para uma gestão efetiva da complexidade tributária na perspetiva dos operadores económicos.