Fala-se agora muito da necessidade de reformar o sistema fiscal português, e, desta vez, com especial incidência na reforma do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) mas também já se falou na reforma do Imposto Sobre as Pessoas Coletivas (IRC) e, de longe a longe, fala-se também da reforma do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), consoante a “maré”.
Atropela-se o conceito de “reforma fiscal” com mexidas pontuais nas taxas ou nos escalões, sem sequer se pensar que, a mera mexida nas taxas e nos escalões de IRS pode até ter efeitos regressivos, beneficiando mais quem ganha mais, dado tratar-se de um imposto progressivo, por escalões, em que, os rendimentos do último escalão beneficiam, cumulativamente, de todas as reduções operadas nos escalões anteriores.
O Orçamento do Estado de 2024 reduz o IRS em cerca de 1.682 milhões de euros, mas aumenta os impostos indiretos (o IVA, o imposto de circulação, o imposto sobre o tabaco, combustíveis, bebidas alcoólicas, e tantos outros) em cerca de 2.735 milhões de euros, projetando a carga fiscal em Portugal para 37,4% do Produto Interno Bruto (PIB), excluindo as contribuições para a segurança social, agravando a já preocupante “fadiga” ou “saturação” fiscal atual.
Alivia-se (e bem) o rendimento de uma pequena percentagem de portugueses da classe média que está “sufocada” com encargos e impostos, mas reduz-se apenas o IRS de um pequeno número de contribuintes que pagam imposto, porque a grande maioria dos portugueses auferem baixíssimos rendimentos, e agrava-se fortemente a tributação de todos, no momento em que gastam os seus rendimentos na compra de bens essenciais, penalizando ainda mais os que gastam a maior percentagem dos seus rendimentos em consumo, nomeadamente de bens destinados a alimentação, eletricidade, gás, água, e outros bens e serviços de primeira necessidade – ou seja, os mais pobres.
Trata-se de meras operações contabilísticas de “deve” e “haver” sem se atacar muitos dos problemas, contingências e anacronias do sistema fiscal, e da forma de o gerir, para operar, aí sim, a tão desejada reforma fiscal.
Sabe-se que todos os anos são declarados incobráveis pela Autoridade Tributária (AT) entre 900 a 1.000 milhões de euros por motivos diversos; sabe-se que há demasiados processos em litigância nos tribunais fiscais e sabe-se também que a taxa de sucesso da AT não é a que deveria ser e conhecem-se bem as causas desse insucesso; sabe-se também que, frequentemente, são detetadas redes de fraude localizadas em Portugal (ainda recentemente foi descoberta uma rede de fraude ao IVA com cerca de 160 empresas) que se apropriam de forma fraudulenta de dinheiros públicos.
Sabe-se também que os desvios entre o IVA que o Estado poderia cobrar anualmente e aquele que efetivamente cobra representam em alguns anos mais de três mil milhões de euros, e estima-se que os impostos não cobrados devido à existência de elevados níveis de economia paralela podem representar mais de 30 mil milhões de euros de perda de receita fiscal anual.
Adicionalmente, sabemos também que, na política orçamental não há milagres, e, entre o “deve” e “haver”, tudo tem que bater certo, e, se não se atacam e combatem eficazmente estas realidades, não resta alternativa senão agravar a tributação indireta (escondida) para compensar a descida do IRS.
O “Choque de gestão” na Administração Fiscal, que aqui defendo, inclui a adoção das melhores práticas de gestão, a valorização dos mais preparados e os que sejam mais capazes de ser agentes dessa mudança e de “criação de valor” e diferenciação em funções públicas. É, nada mais, nada menos que, a promoção do mérito e da excelência.