Israel e Palestina são nomes que ouço desde que nasci. De certa forma, graças à minha ascendência libanesa, são meus primos. Somos todos primos num feudo sangrento e milenar, a disputarem a partilha de heranças dos seus bisavôs, enquanto a extensa família à volta é forçada a assistir e, de quando em quando, acaba envolvida, para seu grande arrependimento.

É um conflito familiar que traz grande sofrimento e que já permitiu que se acumulasse carnificina e ódio a um ponto insustentável. Para quem conhece a realidade social e cultural do Médio Oriente, dominada por núcleos familiares (clãs), não é uma descrição desajustada.

A herança dos antepassados é muito pesada numa faixa de terra que é central a três das maiores religiões do mundo. É um presente envenenado. É naquela pequena faixa de terra junto ao Mediterrâneo que nasceu, viveu e ressuscitou Cristo, de acordo com os primeiros cristãos, foi em Jerusalém que o profeta Maomé ascendeu aos céus, na companhia do Arcanjo Gabriel, e que o rei Salomão construiu o Primeiro Templo.

Quando se nasce e vive tão perto de um símbolo tão poderoso, cobiçado por líderes políticos e religiosos, rapidamente percebemos que é impossível que isso não afete todos os habitantes desse território.

Esta semana assistimos a mais um capítulo sangrento neste longo conflito que se arrasta por séculos, desta família eternamente desavinda, e que há muito cedeu a atos extremos de ambos os lados, causando um número sem fim de vítimas. O extremismo do Hamas que irrompeu esta semana é provocado pelo pior tipo de fundamentalismo religioso que não serve a causa do povo palestiniano.

Que não restem dúvidas: se pudesse, o grupo Hamas estabeleceria um estado teocêntrico, muito ao estilo do Estado Islâmico. E de cada vez que lança uma grande ofensiva, espoleta o sionismo, a pior face de intolerância do outro lado. São dois lados de uma mesma moeda. No momento atual, o governo israelita é dominado pela extrema-direita, que responde com uma violência desproporcional e atroz de cada vez que é atacado.

O conflito do Médio Oriente ecoa, de forma fatídica, os tempos polarizados que vivemos. Os extremos reinam, lançam o caos e tudo o que se encontra no meio está condenado a um sentimento de impotência perante tantas vozes fundamentalistas que invocam o fim dos tempos.

Pobre família que está condenada a não ver um único dia de paz, mas que não pode desistir de tentar voltar a trazer soluções para cima da mesa que permitam uma coexistência pacífica. Tem essa obrigação para com todos os seus descendentes.