(O meu amigo Daniel Rodrigues candidatou-se à Presidência do Vitória de Guimarães e perdeu. No dia seguinte, estava com a camisola do seu Clube posta, num gesto que traduz a generosidade que o caracteriza e que lhe reconheço há mais de vinte anos. Como lhe escrevi, quem não ousa, tem a derrota certa. Às vezes, mais importante do que o resultado, é o percurso até ao final. E, Daniel, isto nem sequer começou.)
Com parte do país já de férias e a restante de olhos postos nas mesmas, o Parlamento decidiu aprovar um vasto conjunto de legislação, eventualmente na expectativa de que, entre uma onda e outra, nos divertamos a ler o Diário da República. Na vastidão de diplomas aprovados, o que me parece relevante não é tanto o que o PS aceitou votar mas o que recusou e, nesta sede, ressalta tudo o que era remotamente favorável aos trabalhadores.
Idêntico percurso, ou seja, de aprovações à socapa, parece pretender trilhar a Ordem dos Advogados, cujo Conselho Geral decidiu escolher a época de férias judiciais para convocar assembleias gerais, sobre regulamentos, no mínimo, polémicos. A singularidade deste tipo de actuações é que, pela sua reiteração, parece normal e, nessa medida, poucos já se questionam sobre o que lhes está subjacente. Estamos, pois, pacificados.
Entretanto, o nosso país arde, sem que alguém tenha a coragem de perguntar directamente o que falhou novamente nos meios aéreos, fornecidos sempre pelos mesmos, sendo que os montantes dos ajustes directos deveriam envergonhar quem os aceitou e revoltar quem os paga.
Quando penso em Portugal, chego à conclusão que vivemos, as mais das vezes, num eterno anúncio publicitário, em que as contra-indicações são lidas demasiado rápido. Queremos fingir que a crise se foi mas nunca dizemos que grande parte dos vínculos estáveis foi substituída por precariedade. Falamos no nosso clima mas não explicamos que, no Verão, temos o estranho hábito de deixar arder a nossa floresta. Procuramos atrair estrangeiros mas omitimos que os hospitais estão sub-dimensionados e que os transportes não funcionam. Agora também queremos fazer regressar os que, em tempos de má memória, foram mandados emigrar mas não lhes contamos que não conseguirão uma habitação a um preço aceitável. Não fazemos magia mas usamos de truques como ninguém.
Somos, portanto, um país de segredos, sempre prontos para um bailarico e sem tomarmos consciência que as bebedeiras costumam trazer ressacas. Como um dia uma ministra do PS disse, a propósito da Parque Escolar, “foi uma festa”. O problema é que a respectiva conta vem sempre para os mesmos e este fogo arde à nossa frente. Mesmo quando não o vemos. Principalmente, diria eu, quando não o vemos.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.