Um dos períodos mais fascinantes da história da Humanidade – os descobrimentos europeus dos séculos XV e XVI – teve início há 600 anos. Portugal foi pioneiro nessa expansão marítima com um avanço de cerca de 80 anos face a outras nações europeias. Os mesmos oitenta anos que Portugal demorou a aplicar industrialmente a primeira máquina a vapor no século XIX. Já no século XX, Portugal criou a sua primeira licenciatura em gestão cerca de 60 anos depois de a Harvard Business School ter sido fundada nos Estados Unidos.
Um período de 600 anos pode, pois, ser concebido como dez períodos de 60. Uns de avanço, outros de atraso. 60 anos correspondem, grosso modo, a três gerações de portugueses. Uma geração de avós, de pais e de netos. E em matéria de empreendedorismo, sabe-se que estas três gerações têm uma probabilidade crescente de levar uma empresa à falência.
Talvez por isso, o senhor Matsushita, fundador da Panasonic, tenha dividido o futuro da empresa em dez períodos de 25 anos. Por contraste, a agenda de Lisboa, em 2000, criou a ilusão nos europeus de que a União Europeia se tornaria, em apenas dez anos, a economia de conhecimento mais competitiva do mundo em termos de crescimento, criação de emprego e coesão social. Wishful thinking, dirá o resto do mundo hoje.
A perceção do tempo, recurso intangível e irreversível, é um dos fatores principais de distinção entre culturas nacionais. As culturas asiáticas são mais orientadas para o longo prazo, enquanto as ocidentais são mais orientadas para o presente. E entre países do Ocidente, os do Sul tendem a ter uma orientação temporal mais imediatista.
O problema desta tendência é que limita a visão da realidade, tal como a noite limita a visibilidade que quem conduz na autoestrada. Impõe um horizonte de anos, em vez de décadas. Mas uma visão estratégica requer um horizonte temporal de longo prazo. Seja para alcançar vantagem competitiva ao nível das empresas como a Panasonic, ou para assegurar vantagem comparativa ao nível dos países como a China.
As empresas portuguesas e Portugal necessitam, portanto, de fazer uma avaliação objetiva das suas competências e não dos seus recursos para alcançar vantagem competitiva e comparativa no século XXI. A diferença entre competências e recursos é subtil, mas evidente. Podemos dar os mesmos ingredientes e a mesma receita culinária a duas empresas e ainda assim o resultado ser sistematicamente diferente. Os ingredientes são recursos tangíveis, enquanto a receita é um recurso intangível equivalente a uma patente.
O que distingue as duas empresas, neste caso, são as competências organizacionais embebidas em processos e rotinas para utilizar os recursos tangíveis e intangíveis de forma mais produtiva. As competências são, portanto, organizacionais e nunca individuais. O Real Madrid não é o Ronaldo e os Descobrimentos não foram o Infante D. Henrique.
Outra distinção muito importante entre competências e recursos é justamente o horizonte temporal. As competências tendem a ter uma longevidade maior do que os recursos, atestada pela resiliência das chamadas indústrias tradicionais.
A Swatch, por exemplo, é indissociável da indústria relojoeira suíça. Isto significa que as competências só podem ser geridas no longo prazo, numa sequência cronológica de épocas, isto é, de mandatos de equipas de gestão. Os recursos, por contraste, são orientados para o curto prazo. Os ativos tangíveis depreciam-se em poucos anos. Os recursos intangíveis, patentes ou direitos de autor, amortizam-se em poucas décadas.
Mesmo os recursos humanos, que no tempo dos nossos avós poderiam trabalhar a vida inteira para a mesma organização, têm hoje um grau de endogamia organizacional mais baixo. No Japão já só dedicam cerca de 15 anos à mesma empresa, sendo que nos países ocidentais varia entre 12 na Alemanha e quatro anos nos Estados Unidos.
Nenhum país pode contar, por isso, com recursos tangíveis, intangíveis e humanos para aumentar a competitividade das suas empresas. Não são os recursos per se que conferem vantagem competitiva, mas as competências. E não são as competências individuais, fáceis de transferir entre empresas, como o Ronaldo do Sporting para o Manchester United, que conferem vantagem competitiva sustentável no longo prazo. São apenas as competências organizacionais, o saber fazer depressa e bem, transversal a toda a organização, independente de estrelas individuais.
No desporto, o melhor exemplo é o desempenho da seleção alemã na história das competições internacionais de futebol. Um exemplo de que o todo é mais do que a soma das partes e de que um sistema é tão forte quanto o elo mais fraco. Também da Alemanha, podemos dar o exemplo da Mittelstand, pequenas e médias empresas, conhecidas pelo desempenho world class dos seus processos.
Nos últimos 600 anos, com a exceção do período entre 1580 e 1640, Portugal manteve a sua soberania, apesar da sua pequena dimensão, periferia e relativa escassez de recursos. Há quem defenda, contudo, que isso só foi possível graças à abertura de Portugal ao mundo por intermédio de alianças com a Espanha, a Inglaterra, as Colónias Ultramarinas, a União Europeia e mais recentemente com a China.
É uma explicação centrada nos recursos e não nas competências. Uma visão que explica a sobrevivência de Portugal no mapa geopolítico internacional com o acesso a fatores de produção como a terra/localização, o trabalho, o capital e o conhecimento.
Mas os fatores de produção per se são recursos e não competências. Importa, portanto, questionar se Portugal tem competências que confiram vantagem competitiva às suas empresas e vantagem comparativa ao país no longo prazo. Competências que não sejam exclusivas de determinados setores de atividade, cada vez mais difíceis de delimitar do ponto de vista tecnológico e legal, mas transversais a todas as indústrias. Competências que possam ser promovidas com políticas públicas centradas na organização e não no indivíduo.
Na atual divisão internacional de trabalho, Portugal dificilmente poderá competir com a tecnologia dos países industrializados, com as economias de escala dos países emergentes, e com a mão de obra barata dos países em desenvolvimento.
Há, contudo, uma réstia de esperança na cultura nacional assente em valores particularistas, tradicionais e policrónicos. É graças a estes valores que as PME exportadoras portuguesas, independentemente do setor de atividade, aceitam encomendas com elevada customização (ao contrário dos países industrializados), lotes pequenos (ao contrário dos países emergentes) e prazos curtos (ao contrário dos países em desenvolvimento).
São três vantagens competitivas e comparativas: customização, modularidade e agilidade, que juntas conferem flexibilidade à oferta das empresas portuguesas, bem diferente da noção popular de desenrascanço individual. É uma estratégia de elevado valor acrescentado, assente em investigação, desenvolvimento e inovação: diferenciação premium, com extras, elevando quer os custos, quer os preços face à concorrência. Os extras são a customização, a modularidade e a agilidade, atributos de uma curva de valor que os concorrentes reconhecem, mas não conseguem imitar.
Numa palavra, competências organizacionais que diferenciam as empresas portuguesas dos seus concorrentes em países industrializados, emergentes e em desenvolvimento.
Um exemplo recente desta estratégia competitiva e comparativa são as empresas do setor do calçado que, em poucas décadas, conseguiram elevar os seus preços ao segundo lugar do pódio mundial. Um exemplo histórico é o da azulejaria portuguesa. Apesar de ter chegado a Portugal com cerca de 80 anos de atraso relativamente a Espanha, conseguiu criar uma identidade única e reconhecida em todo o mundo. Em parte, porque assentava em encomendas específicas para o clero e a nobreza (customização), feitas à medida (modularidade) e em série (agilidade).
O crescimento de Portugal passa, por isso, pelo crescimento das suas empresas exportadoras com base nesta estratégia de flexibilidade premium, ajustada à tendência mundial de ofertas long tail de produtos cada vez mais servitizados, de fragmentação das cadeias de valor globais e de aceleração das tecnologias de informação, comunicação e transporte. Uma estratégia independente do setor de atividade porque rendibilidades passadas não garantem rendibilidades futuras.
Todos os dias são inventadas novas tecnologias que destroem indústrias inteiras e as substituem por oceanos azuis, também eles temporários, por atraírem investimento nacional e estrangeiro. Cabe a Portugal, acompanhar a evolução da tecnologia com ferramentas como o Gartner Hype Cycle e antecipar a emergência de setores aos quais poderá acrescentar valor com customização, modularidade e agilidade.
A própria noção de setor é cada vez mais discutível. Apesar de os países ainda fazerem estudos com base em códigos de atividade económica, são os mercados (conjuntos de clientes) que decidem, pelo princípio da substituibilidade, as fronteiras das indústrias (conjuntos de concorrentes). A “uberização” das indústrias de táxi e do arrendamento local ilustra bem este ponto, pela dificuldade em legislar novos fenómenos de concorrência direta e indireta, com efeito imediato e real ao nível do crescimento e do emprego. A noção de setor é, portanto, cada vez menos adequada para ler a realidade.
Recomenda-se em alternativa um zoom in que segmente a indústria, na horizontal em categorias de produto com barreiras à mobilidade dos concorrentes, e na vertical em serviços de maior valor acrescentado do que a própria categoria de produto que lhes deu origem.
Na indústria automóvel, por exemplo, faz mais sentido avaliar a atratividade dos veículos elétricos – segmento horizontal – e do leasing automóvel – segmento vertical – do que da indústria como um todo. No caso do grupo Inditex, a multinacional ibérica com maior valorização bolsista face ao seu balanço contabilístico centrado em recursos, faz mais sentido falar do segmento horizontal do fast fashion do que da indústria têxtil ou do vestuário como um todo.
A noção de setor em geral e de pólo de competitividade e tecnologia é, por isso, cada vez mais ambígua. Nas últimas décadas, a escala mais relevante para analisar a competitividade internacional deixou de ser a indústria e passou a ser o segmento horizontal ou vertical. No caso dos segmentos horizontais, as barreiras à entrada dão lugar às barreiras de mobilidade entre segmentos da indústria. No caso dos segmentos verticais, a digitalização permite servitizar produtos em qualquer setor de atividade, sem que com isso se tornem menos transacionáveis na globalização.
A essência da vantagem competitiva e comparativa são, portanto, as competências organizacionais e não individuais, isto é, o saber fazer embebido em processos transversais a toda a organização como a angariação de clientes, a receção de encomendas, o financiamento das matérias-primas, a produção, a entrega, o pagamento e o acompanhamento pós-venda, num ciclo de 360 graus que gera ideias de ID+I para novas gerações de produto.
É nestes processos que se materializa a vantagem competitiva e comparativa de ser mais customizado, mais modular e mais ágil, numa palavra, mais flexível, para cobrar um preço premium e elevar os salários. É com base nestas competências que as empresas portuguesas podem afirmar Portugal na nova divisão internacional do trabalho. Uma agenda de Lisboa, em 2020, baseada em fatores de produção, mas sobretudo em processos. Processos que os concorrentes reconhecem como superiores, mas não conseguem imitar.
Em suma, os recursos mais duráveis, por ordem crescente, são a tecnologia, a marca e a cultura. Que Portugal saiba transformar a sua cultura idiossincrática em competências inimitáveis. E que as competências se traduzam em flexibilidade cada vez mais customizada, modular e ágil, cobrada internacionalmente a um preço premium.