Para lidar com a nova relação de poder na Europa causada pelo Brexit, o politólogo italiano Seminatore considerou três arranjos de governação possíveis: um “executivo duro” na forma de um duopólio imperfeito, assimétrico e elástico, compreendendo um centro de poder com dois membros – um diretor e um legitimador –, que coordena ações e divide influência (Alemanha e França); um “executivo brando” baseado num centro unipolar flexível, predominantemente alemão, atuando numa lógica de compromisso permanente; e um “executivo flexível” com fraco poder de decisão, obrigado a acomodar os interesses dos vários intervenientes (Alemanha, França, Itália, Polónia e Espanha).

Passados quase três anos sobre a declaração da saída do Reino Unido, importa perceber como tem funcionado aquele “executivo duro”, mais conhecido por eixo franco-alemão, no âmbito da cooperação europeia em matéria de segurança e defesa. Por outras palavras, até que ponto a França se tem acomodado, ou não, ao papel de legitimador.

Se, por um lado, nalguns momentos cruciais, a França perdeu a oportunidade para liderar o aprofundamento da cooperação europeia (em 1952, o parlamento francês não ratificou o projeto de criação de uma “Comunidade Europeia de Defesa”; em 2005, o resultado de um referendo em França foi desfavorável à ratificação do Tratado da Constituição Europeia), por outro, não abdicou de manter uma intensa cooperação bilateral com Londres.

Um dos grandes avanços no aprofundamento da cooperação europeia no domínio da segurança e defesa deveu-se a uma cimeira realizada em Saint-Malo (1998), entre a França… e o Reino Unido. Foi também com o Reino Unido, em 2011, que a França congeminou o derrube de Kadafi, sem o apoio da Alemanha.

Mas foi com a Alemanha, alguns dias após o referendo no Reino Unido, que acordou o “European Security Compact”, um pacote de medidas no âmbito da segurança e defesa, muitas delas obstruídas no passado pelo Reino Unido. Contudo, isso não inibiu a França de liderar um projeto de criação de forças, fora das estruturas existentes, em competição com um projeto europeu semelhante inserido na Cooperação Estruturada Permanente, contra a vontade da Alemanha, para o qual convidou o Reino Unido.

Para além disso, ao mesmo tempo que cozinhava bilateralmente com o Reino Unido a criação de uma força expedicionária franco-inglesa pronta para operações em 2020, Macron veio propor a criação de um exército europeu, fora do quadro da NATO. Esta ideia foi reiterada em Aachen, aquando da cimeira com a Alemanha (2019), onde ambos os países se comprometeram a estreitar a cooperação bilateral e a reforçar os laços em matéria de segurança e defesa. Vago em conteúdo, o tratado assinado em Aachen foi importante pelo simbolismo de que se revestiu.

A par desta iniciativa bilateral, Macron veio defender a revisão dos tratados europeus e a criação, entre outras coisas, de um “Conselho de Segurança Europeu”, com a participação do Reino Unido. Apesar da litigância entre a União e o Reino Unido em redor do Brexit, a França permaneceu próxima do Reino Unido em matéria de política externa e de defesa. O frenesim de Macron é prova provada de que Paris está a efetuar os possíveis e impossíveis para mostrar que é o diretor, deixando a função de legitimador à Alemanha, pouco se importando como o faz.