O sistema eleitoral francês, único entre os Estados-Membros da União Europeia, dificulta leituras ideológicas ou sociológicas a partir dos resultados.

Tal como no Reino Unido, é um sistema que assenta na eleição de deputados por círculos uninominais. Há quem defenda que assim se cria uma maior identificação entre o Deputado e os seus eleitores, e que mais do que a ideologia do candidato são as suas características pessoais, a sua personalidade, a sua ligação efectiva ao círculo peko qual é eleito e o seu conhecimento profundo dos problemas locais, que determinarão a sua eleição.

Mas, como em tantas situações na vida, as coisas não são bem assim. Salvo raras excepções, os candidatos não se apresentam individualmente, sendo propostos pelos partidos políticos. Identificam-se, assim, ideologicamente.

A diferença entre estes sistemas eleitorais é que, no Reino Unido, é eleito em cada círculo o candidato que recolhe mais votos, e, em França, se nenhum candidato tiver mais de metade dos votos expressos há uma segunda volta em que poderão participar todos os que tiverem pelo menos 12,5% dos votos.

O sistema inglês gera maiorias parlamentares a partir de uma concentração de votos menor em cada círculo. Foi por isso que o Partido Trabalhista conseguiu, com 34% dos votos totais, ter 412 deputados, quase mais 180 do que todos os outros juntos. Não é que o eleitorado esteja maioritariamente convertido às teses dos Trabalhistas, bastou que o partido tivesse mais votos do que qualquer outro para conseguir uma maioria desproporcionada na Câmara dos Comuns.

Em França, teoricamente, pode suceder que um único partido tenha 49% dos votos em cada um dos 577 círculos uninominais, e não elege nenhum deputado à primeira volta. Simultaneamente, é possível que em cada um desses círculos haja um candidato independente que acede à segunda volta e que, por força de alinhamentos locais, cada um desses independentes consegue ser eleito.

Teremos, assim,  um partido com uma ideologia definida e um programa coerente que representa 49% da população do país, sem representação parlamentar, e 577 Deputados independentes, sem qualquer ligação ideológica ou orgânica entre si.

É por isso que os resultados das eleições legislativas francesas são difíceis de ler do ponto de vista ideológico ou sociológico (as presidenciais são mais fáceis, porque assentando no mesmo princípio de eleição à primeira volta por maioria absoluta, ou em segunda volta em que participam os mais votados, trata o país como um único círculo uninominal).

Penso que os resultados da primeira volta expressam melhor a verdadeira estrutura ideológica e sociológica do eleitorado, já que o eleitor tende a votar em função das suas convicções sobre as propostas do candidato. Na segunda volta o voto é mais “contra” do que “a favor”.

O risco de a França ser, na União Europeia (UE), uma força representativa de opções nacionalistas e soberanistas foi assim adiado. Mas não afastado. É bom, mas não é suficiente. Foi a ultrapassagem do nacionalismo que nos permitiu viver o mais longo período de paz sustentada na Europa Ocidental nos últimos 500 anos. O melhor exemplo actual de nacionalismo é a Rússia, que quer recuperar o estatuto de superpotência global, mesmo à custa de nações independentes.

Uma “Europa das Nações” não conseguiu garantir a paz e a estabilidade no continente. Só o modelo de maior integração, assente nos princípios do Estado de Direito e da cooperação com respeito pelas diferenças, como a UE, o poderá fazer.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.