Esta semana, Theresa May revelou novamente o talento para guinadas tácticas. Com a divisão dos conservadores sobre o Brexit e as ameaças de dissolução do Reino Unido, perante uma Europa focada em fazer da negociação uma vacina contra a saída de outros Estados, adia-se o confronto com a realidade.
Terminada a negociação, o resultado do Brexit seria claro e os trabalhistas teriam cozinhado a lume brando o seu regresso ao poder. Mas a convocação imediata de eleições muda tudo. May tem vantagem nas sondagens. E é com a desorientação estratégica do Labour e a profunda divisão do seu eleitorado entre promotores e opositores ao Brexit que ela conta. Não há, no Reino Unido, um verdadeiro polarizador pela permanência na UE.
Esta silenciosa opositora ao Brexit fez-se guindar ao lugar de primeira-ministra de uma saída dura com enorme pragmatismo. Era o seu tempo, mesmo que viesse a ser um desastre. Entre os líderes do processo, as ilusões já se esfumam. Não há afinal dinheiro extra para o sistema de saúde; nem os europeus lhes darão privilégios de acesso ao mercado que só os membros da UE têm. O tempo é, por isso, de medidas invulgares.
A visita à Índia em Novembro tornou claro que uma Grã-Bretanha autónoma pesa pouco num mundo de mercados gigantes e integrados. May trouxe um sari, mas não um acordo comercial. A ligação histórica não chega, sobretudo se a preocupação de Modi com o estatuto dos indianos imigrados é incompatível com a agenda do controlo de fronteiras. As cenas seguintes incluem um abraço confrangedor a Trump e a Erdogan, opositores à construção europeia. Teve promessas de apoio e de compra de material bélico – e May devolveu o silêncio envergonhado face às palavras de um e aos métodos do outro.
Os britânicos sabem o que os espera. Em Janeiro, um green paper propunha o investimento de biliões de libras em I&D, infra-estruturas, transportes e capitalização de empresas, tudo com foco na inovação, para evitar as perdas do Brexit. Mas não se sabe de onde virá tamanho investimento, nem que eficácia tal estratégia terá face a incerteza do futuro. Michael Heseltine, antigo ministro e conselheiro tory, previu o pior num vídeo muito partilhado: os europeus vão dizer aos britânicos, unilateralmente, em que termos podem eles negociar com o seu maior mercado, a UE.
A resolução adoptada pelo Parlamento Europeu sobre o Brexit confirma as piores expectativas. O endurecimento é completo, com os Estados a tentar maximizar os ganhos com o processo e os parlamentares a alinhar no tom. Esta negociação seria sempre difícil. O acesso ao mercado único implicaria aceitar a liberdade de circulação de pessoas – cuja recusa é um ponto central na vitória do Brexit.
Mas a resolução é bastante áspera quando exige ao Reino Unido o fim da negociação de acordos comerciais com países terceiros, deixando a ameaça de acção judicial. A UE tem base legal para o exigir; é uma competência exclusiva da Comissão. Mas neste processo parece demasiado duro para funcionar. Não é possível que, chegados a 2019, os britânicos percam simultaneamente acesso ao mercado europeu sem ter ainda acordos para acesso aos restantes.
A ideia de que um dano feito ao Reino Unido se traduz na transferência de benefícios para outros países europeus é ingénua. Esse processo nunca é linear e há mais interessados. A localização de sectores económicos resulta de condições específicas que podem não ser replicadas noutros locais. E, finalmente, estamos a falar do enfraquecimento de um aliado histórico. Não vejo um modo da Europa sair realmente a ganhar – seja as condições melhores ou piores para os britânicos.
No meio da verborreia insuportável, em que chamou os líderes europeus de mafiosos, Farage disse uma coisa sensata: os britânicos são consumidores ávidos de produtos e serviços europeus. É certo que foram os britânicos a pedir isto para si mesmos. Mas, antes de gritar Révanche!, reconheçamos que uma negociação dura também não nos deixará incólumes.