Meia Europa tem andado verdadeiramente inebriada desde a passada quarta-feira, quando tomou conhecimento do volume financeiro que a Comissão Europeia propõe que se transfira para os Estados-membros como parte do seu auxílio às crises económica e social que resultarão da pandemia que nos tem afetado. Bruxelas propõe-se ir buscar aos mercados 750 mil milhões de euros, (endividando-se) para repartir pelos Estados mais afetados pelo surto pandémico.

Três notas muito breves sobre essa ajuda financeira: a primeira é que se trata, inquestionavelmente, do maior esforço financeiro alguma vez feito pela União Europeia ao longo da sua história; a segunda é que tal montante se somará ao orçamento comunitário, repartindo-se uma parte por programas e rúbricas já existentes, e destinando-se outra parte ao verdadeiro programa de auxílio ao combate à pandemia, designado como Fundo para a Recuperação e Resiliência que absorverá cerca de 550 mil milhões de euros; a terceira, é que uma parte desse Fundo será entregue aos Estados membros sob a forma de donativos ou subvenções e a outra parte sob a forma de empréstimos que esses mesmos Estados terão de devolver, ainda em que em condições e maturações muito favoráveis.

Ora, são estes cerca de 550 mil milhões de euros que têm feito sonhar muitos governantes por essa Europa fora, nomeadamente inventando-se (porque ainda não estão fixadas) chaves de distribuição dos mesmos entre os Estados que se candidatarem a receber essas verbas e, nomeadamente, fazendo-se cálculos sobre quanto poderá receber cada Estado a título de subvenção, ou de subsídio a fundo perdido, como se tem dito.

Da parte dos Estados, portanto, a coisa está mais ou menos clara, “bastando” para tanto que o Conselho Europeu do próximo dia 18 aprove por unanimidade a proposta da Comissão Europeia e que depois, os 27 Parlamentos nacionais aprovem igualmente esse plano.

Da parte da União europeia é que a operação financeira idealizada por Macron e Merkel e concretizada por van der Leyen tem merecido menos atenção. Impõe-se, por isso, deixar uma breve, brevíssima, anotação sem entrarmos em demasiados detalhes que iriam prejudicar a compreensão do leitor.

Vejamos:

A União Europeia irá entregar aos Estados-membros que o pedirem um montante que, objetivamente, não tem. Para o fazer, terá de emitir dívida que será comprada, que pagará juros e que no final do período do empréstimo terá de ser paga. Para pagar essa dívida, ao longo dos próximos anos, a União Europeia terá de recorrer ao seu orçamento. Ora, pergunta-se – de onde vêm os recursos para o orçamento da União Europeia? Basicamente de duas fontes. Uma percentagem pequena de alguns impostos que cobra; a maior parte de transferências dos orçamentos dos Estados-membros.

Significa isto que os 750 mil milhões que irão ser pedidos emprestados, independentemente da forma como a União Europeia os vier a distribuir entre os seus Estados-membros (empréstimos, transferências, subvenções, doações, pouco importa para o caso), acrescidos dos juros respetivos, terão de ser devolvidos a quem os emprestou e vão sair ou de impostos que a União cobra ou de transferências que os Estados membros lhe fazem.

Devido ao montante em questão, devido a outros compromissos a que o orçamento comunitário já tem de fazer face, é expectável que, recorra-se a impostos ou a transferências orçamentais, uns ou outras terão de ser fortemente reforçadas nos anos mais próximos. Só assim a União poderá continuar a ter a sua atividade normal financiada e, ainda, pagar o capital e os juros deste novo empréstimo.

Como não é de crer que a Comissão Europeia esteja disposta a pedir aos Estados-membros para estes aumentarem as suas transferências diretas para o orçamento comunitário nos anos próximos, o mais provável é que se abra a porta à criação de impostos europeus (nomeadamente sobre a atividade digital das grandes empresas e a produção excessiva de dióxido de carbono).

Ou seja – a forma mais provável de a União Europeia poder vir a pagar o empréstimo que vai contrair (facilitemos a linguagem) para distribuir pelos Estados-membros necessitados significará abrir a porta à criação de verdadeiros de impostos europeus. Esta é a realidade que, infelizmente, ainda não foi discutida nem debatida.

É certo – a alternativa passaria por aumentar a contribuição de todos os cidadãos europeus para o orçamento da União, por via das transferências dos diversos orçamentos nacionais. Pessoalmente, prefiro o modelo que se perspetiva, mesmo significando que podemos estar a abrir a porta à criação de novos impostos, desta feita impostos europeus. Não há, neste caso, infelizmente, soluções perfeitas e há muitos Estados na Europa da União que necessitam como de pão para a boca deste apoio europeu. Não posso deixar de lamentar, porém, é que uma consequência desta natureza não tenha ou não esteja a suscitar o debate político que se exigiria e que se imporia.

Para terminar, uma nota final – deixemo-nos, por favor, de continuar a falar em transferências “a fundo perdido”. É que se é verdade que não há almoços grátis, mesmo que a Comissão Europeia subvencione os Estados da União com qualquer montante, ninguém duvide que alguém vai ter de pagar essas mesmas quantias. Resta, por agora, saber quem e como.