A história não é nova e, nos últimos anos, é sempre apresentada como um dos principais riscos relativos às perspectivas de crescimento mundial. No final, e de forma persistente, acabou por prevalecer sempre, ou quase sempre, a força dos bancos centrais sobre tudo o resto. Os mercados financeiros têm ignorado olimpicamente eventos ligados à erosão do centro político a nível global, o processo prolongado e complexo relacionado com  a saída do Reino Unido da União Europeia, e até muito recentemente o endurecimento das relações comerciais entre Estados Unidos e China era relativizado pelos analistas e observadores.

A política monetária extremamente favorável primeiro, e o fôlego de crescimento económico dos Estados Unidos numa segunda fase, acabaram sempre por tomar o palco central, suportando os resultados das empresas e premiando os detentores de ativos acionistas. Ou seja, os fatores de risco geopolíticos, apesar de criarem momentos de incerteza e volatilidade, não eram mais que uma tomada de fôlego, pois, no final, prevaleciam os tradicionais valores da macroeconomia.

Ao entrarmos em 2019, e depois de uma das mais acentuadas correções de sempre de final de ano, pode dizer-se que algo talvez tenha mudado. Terão os mercados corrigido por causa do agravamento das tensões comerciais e potencial efeito contágio? Ou serão, mais uma vez, as preocupações manifestamente exageradas?

2018, o fim de um enorme ciclo de subida dos mercados

No final do ano passado, os mercados financeiros de risco voltaram a registar correcções acentuadas, com os principais índices bolsistas a fecharem o ano em terreno negativo – facto que parece indiciar para alguns analistas uma inversão estrutural do ciclo favorável dos últimos anos. Com efeito, os investidores estarão neste momento a olhar para 2019 com desconfiança, sentimento que assenta em preocupações que têm a ver com a alteração dos paradigmas políticos, marcados por uma escalada do protecionismo e das tensões comerciais entre Estados Unidos e China.

Se para alguns analistas este efeito Trump é apenas uma espécie de mito urbano com impacto limitado na economia norte-americana, e menos ainda na economia mundial, outros há que salientam que o protecionismo comercial traz consigo efeitos de contágio potenciais perigosos, que se podem estender ao mundo desenvolvido e desencadear, no limite, uma recessão a nível mundial. Para já, a propagação da geopolítica ao ciclo macroeconómico é ainda algo prematura, mas a verdade é que existem alguns pontos para reflexão.

A retórica protecionista de Trump e possíveis contágios à Europa

Numa primeira abordagem, os factos geopolíticos parecem ter ganho tração fundamental. A retórica protecionista do presidente Donald Trump ganhou bastante visibilidade e tração com o anúncio de uma série de medidas que visam condicionar as importações, sobretudo as provenientes da China. As repercussões continuam a ser bastante limitadas no campo do impacto da economia mundial, mas uma eventual escalada em 2019 da “guerra comercial” (sobretudo se aquelas afetarem a Europa) levaria a (re)pensar no modelo de globalização que atualmente rege as principais economias desenvolvidas. E muitos observadores e investidores estão atentos ao que irá acontecer neste campo.

2019 apresenta testes decisivos, a começar pelas tensões comerciais entre China e Estados Unidos

Podemos assim falar em final de ciclo económico, ou na normalização monetária dos Estados Unidos, mas é um facto que muitos dos rastilhos de que se fala para este ano estão associados a fatores pouco convencionais e muito políticos.

O primeiro trimestre do ano, por exemplo, promete ser intenso, a começar pelo braço de ferro entre Estados Unidos e a China. As dúvidas prendem-se, essencialmente, com a capacidade dos dois gigantes económicos em chegar a um acordo comercial ou, pelo menos, a uma espécie de acordo de princípio para conter a escalada das tensões e dos efeitos das mesmas nas economias. A importância de conter esta situação é relevante, até porque entretanto os Estados Unidos foram abrindo mais frentes de embate comercial, desta feita com aliados ocidentais tradicionais, caso do Canadá e UE, que sofreram imposições aduaneiras sobre aço e alumínio antes da reunião do G7 em junho do ano passado.

No caso de uma escalada das tensões entre Estados Unidos e União Europeia, os efeitos poderiam ter contornos duros para o Velho Continente, nomeadamente para o setor automóvel – na altura, o presidente norte-americano Donald Trump chegou a falar de impostos na ordem dos 20% sobre carros importados da Europa.

Apesar da registada no mês de julho, quando a União Europeia e os Estados Unidos acordaram trabalhar em conjunto para manter acordos de redução de tarifas de ambos os lados, este é um rastilho que pode voltar a reacender-se, sobretudo se a narrativa política protecionista do presidente norte-americano se reacender por motivos eleitoralistas, ou se o atual impasse com a China se deteriorar ao ponto de verificar-se um efeito contágio difícil de conter.

Hard Brexit, Soft Brexit ou Briback?

Importa ainda lembrar que, no Velho Continente, persiste uma série de situações que condicionam as decisões de investimento. A interminável e atribulada viagem de saída do Reino Unido da União Europeia não só marcou a agenda no último mês de 2018, como deverá continuar a marcar, pelo menos no primeiro trimestre de 2019. Depois do desastre político sofrido pela primeira-ministra britânica Theresa May, ao ver reprovadas as regras de saída de forma ordenada do Reino Unido da UE, de repente tudo parece ter ficado em aberto e, de certa forma, até assustador – sobretudo se a saída for feita de forma desordenada.

É claro que isso traria mais problemas económicos para um Reino Unido já de si dividido nesta questão, mas acima de tudo permitirá que se coloque também em causa o próprio resultado do referendo. Uma possibilidade, que não é impossível, passa pelos (ainda) parceiros europeus, abrirem espaço para que o processo de saída possa estender-se no tempo. Mas esta extensão não vai durar para sempre – e não é líquido que uma nova proposta seja aceite com esta liderança política. Já uma reavaliação do processo de saída via novo referendo, e um possível regresso à casa de partida (Briback), iria exigir ainda mais tempo e paciência por parte dos parceiros do continente, mas poderia acabar por representar uma enorme vitória política para os europeístas.

Nunca se deu tanta atenção às eleições europeias

Não devemos esquecer também os riscos associados à escalada da recente instabilidade política em França – o movimento dos coletes amarelos – que tornou praticamente inviável um processo de reformas estruturais, mas que deverá continuar a merecer a atenção dos observadores internacionais, até porque é um movimento que está a propagar-se a outras classes, como os professores (movimento “canetas encarnadas” ou stylos rouges) que reúne já cerca de 50 mil professores.

Por fim há o crescimento dos movimentos populistas por toda a europa e os braços de ferro orçamentais – como foi o caso de Itália – que acentuam as preocupações com o euroceticismo e a erosão do centro político, que serão avaliadas nas eleições para o Parlamento Europeu, a realizar em maio.

‘Bottom’s up’: em 2019, a geopolítica irá dominar o fluxo de notícias, mas não deverá condicionar o crescimento

Os mercados desenvolvidos têm sido submetidos a duros testes de ruído geopolítico nos últimos anos e 2019 não será diferente. Mas isso não tem sido suficiente para travar os mercados de risco ou o crescimento económico, provavelmente porque o mundo hoje também é mais concertado e interligado em termos de respostas dos países. Apesar da retórica política, ou talvez por isso, são as indicações de maior ímpeto do crescimento económico e dos lucros das empresas que terão a principal palavra a dizer. E o que se espera é que a economia mundial continue a crescer, mas de forma mais moderada (3,5% em 2019 e 3,3% em 2020).

O que faltará, talvez, é um ajustamento de expetativas por parte dos observadores internacionais, sobretudo durante os primeiros meses do ano. E isso pode trazer dias mais complexos, com maior volatilidade e incerteza. Agora, se as estimativas dos economistas se confirmarem, então será bem possível que o ano acabe por trazer os verdadeiros fundamentais ao de cima e seja um novo ano de crescimento global – sobretudo mais racional e com os mercados financeiros a refletirem o ciclo em vez da geopolítica.