A anedota é antiga. Por ocasião de uma cheia, um homem muito religioso recusa abandonar a casa. Quando o nível da água chegou aos joelhos, apareceu uma jangada com populares que o convidam a seguir com eles. O homem agradece a oferta mas recusa a ajuda. “Deus me salvará”, responde. Quando a água atingiu a cintura, surgiu um barco a oferecer ajuda. O homem manteve a resposta.

Quando a água o cobriu até ao pescoço, passou um helicóptero a resgatar as últimas pessoas. Alguém gritou para que o homem subisse a corda e salvasse a vida. Uma vez mais o homem teimou em recusar a ajuda. A água continuou a subir e o homem morreu afogado. Ao chegar ao céu, reclamou com Deus. “Eu, um homem de tanta fé, fui abandonado à morte”. Deus responde. “Enviei uma canoa, um barco e um helicóptero. Que mais era preciso?”

A direita actual relembra esta anedota. A 6 de Outubro, quando os portugueses escolherem os 230 deputados que os vão representar na próxima legislatura, é esperado que a direita sofra uma derrota pesada. Não foi por falta de ajuda. Avistaram a canoa na tragédia dos incêndios de Pedrógão Grande, em 2017. Apesar do número de atingidos e da área ardida, e do falhanço em toda a linha – desde os meios no terreno ao SIREP, a inacreditável falta de organização e de tacto na listagem do número e nome das vítimas, e a corrupção que grassou ao nível dos donativos e outros auxílios –, o PS superou a crise contra todas as expectativas. Mais. O primeiro-ministro ainda teve tempo de ir a banhos para uma ilha paradisíaca enquanto deflagravam os incêndios.

Nesse momento percebemos o quão difícil seria derrubar um governo fortemente apoiado por grande parte da imprensa e sustentado pelo polvo de corrupção instalado. Mais dúvidas houvesse, reforçámos a ideia com o mirabolante caso do roubo de armamento em Tancos.

O barco surgiu quando, em vez de protagonizarem uma oposição aguerrida numa altura em que o país mais precisava, PSD e CDS comandados por líderes cegos optaram por desperdiçar esse capital e em guerras internas desmantelaram dois partidos históricos. Numa altura em que a direita esteve activa como nunca com o nascimento de novos partidos e movimentos, preferiram ignorar a via que se impunha, constituir coligação, e seguiram numa sangria descontrolada.

Por último, chegou o helicóptero. Erros estratégicos de palmatória como posicionarem-se com a extrema-esquerda no caso dos professores e a complacência perante medidas como a redução do tempo de trabalho de 40 para 35 horas no Estado. Más decisões de gestão para o país que serão pagas a peso de ouro e das quais se levará muito tempo a recuperar. Enquanto isto caminhamos alegremente para o abismo com a maior carga de impostos de sempre às costas.

Em Outubro, quando PSD e CDS chegarem ao céu vão declarar que tinham fé e indagar porque foram abandonados. Já sabemos a resposta.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.