Os mercados financeiros apresentaram um desempenho notável durante a pandemia, beneficiando, aparentemente, da conjuntura – a mesma que, por outro lado, colocou setores inteiros da economia de joelhos.

Após as quedas acentuadas de fevereiro e março, durante as quais o S&P500 perdeu mais de 20%, a recuperação surgiu em abril e o que se seguiu surpreendeu até os investidores mais otimistas. Entre abril e agosto, o principal índice da bolsa americana ganhou quase 27%. A volatilidade em si é extraordinária, mas o que é ainda mais desconcertante é que esses ganhos foram registados durante aquela que é talvez a crise económica mais séria de que se tem memória. Durante o segundo trimestre de 2020, a economia americana contraiu cerca de 33%, o pior desempenho trimestral desde que estas estatísticas estão disponíveis, contrastando expressivamente com a dinâmica vivida nas bolsas de valores um pouco por todo o mundo.

Então, qual o motivo para tamanha discrepância entre o desempenho dos mercados financeiros e o estado da economia subjacente? Na verdade, as razões são diversas. Num primeiro momento, a intervenção decisiva da Fed, ao comprar dívida corporativa, criando uma espécie de rede de segurança, tranquilizou os investidores mais assustados. Depois, as condições geradas pelas quarentenas ditaram que a grande maioria da população ficasse confinada em casa, forçada a depender de fornecedores de serviços online para as suas necessidades básicas de compras, entretenimento e comunicação. Estas restrições foram extremamente favoráveis para as empresas de tecnologia, que acabaram por impulsionar o aumento generalizado das ações, à medida que os seus negócios cresceram e as respetivas avaliações subiram, com a perspetiva de que muitos dos recém-adquiridos hábitos de consumo persistirão mesmo quando se regressar à normalidade. Finalmente, verificou-se ainda um número sem precedentes de novos investidores voltados para o retalho que, fechados em casa, decidiram envolver-se no mundo da negociação e, através de plataformas de negociação online, migraram para os mercados financeiros. Estes investidores inexperientes contribuíram bastante para o aumento nos volumes de transações e para a inflação dos valores de grandes empresas como a Apple, a Amazon, a Tesla, entre outras.

Para o setor tecnológico, os astros alinharam-se. A Apple tornou-se a primeira empresa a ser valorizada em 2 triliões de dólares, sendo que a capitalização de mercado da fabricante do iPhone vale hoje mais do que as 100 principais empresas do Reino Unido (FTSE) juntas. A Tesla, apesar de não ser uma empresa tecnológica estritamente falando, é também uma das grandes vencedoras do momento: o seu valor de mercado supera o da Volkswagen, Daimler-Benz, Honda, General Motors, Ferrari e FiatChrysler cumulativamente. Ainda mais impressionante é o valor de mercado combinado do chamado FANGMAN (Facebook, Apple, Netflix, Google, Microsoft, Amazon e Nvidia), que totaliza 8,4 triliões de dólares, o equivalente ao PIB anual do Japão e da Alemanha, respetivamente a terceira e quarta maiores economias a nível mundial.

O comportamento dos mercados de ações nos últimos meses pode ser o primeiro vislumbre de uma nova era dominada pela tecnologia e, espero, de uma mudança rumo a um modo de vida mais sustentável. Os próximos anos determinarão se, realmente, será esse o caso. Já dizia Winston Churchill: “Nunca desperdice uma boa crise”.