Terras raras e geoestratégia
Donald Trump, logo após os resultados eleitorais, antes ainda da posse em Janeiro de 2025, torna pública a posição que assumira durante a sua primeira Presidência, em 2019, manifestando de novo a vontade de comprar a Gronelândia, uma ilha do Ártico, a maior do Mundo, com uma dimensão equivalente a quatro Franças e, uma população residente à volta de 56 000 pessoas. E avança com a “fanfarronice”, que lhe é típica e que, em bom português, se traduz por: “se não for a bem, vai a mal”.
Esta declaração, que já repetiu várias vezes, descarregou, em Copenhaga, a capital da Dinamarca e em Nuuk, a da Gronelândia, uma enorme repulsa, tendo o então líder político da Ilha, Mute Egede, reagido da seguinte forma: “A Gronelândia é nossa. Não estamos à venda e nunca estaremos.”
Recentemente, a 11 de Março, houve eleições na Ilha. Quem as ganhou foi o partido da oposição de centro-direita, que conta conduzir o território no caminho da independência, de forma calma e suave. O segundo partido, mais votado, tem uma posição relativamente alinhada nesta matéria, pelo que é natural entenderem-se para a constituição dum novo governo. A coligação partidária de Mute Agede (ecologista e social-democrata) saiu do governo e ocupa agora a terceira e quarta posição no Parlamento.
Mais pormenor menos pormenor, a independência constituiu tema importante nestas eleições na maior Ilha do Mundo, território autónomo do Reino da Dinamarca desde 1979, saída da União Europeia, muito antes do Brexit, por opção própria em 1985, após três anos de enfadonhas negociações. Se um território destes, com uma economia tão diminuta, levou três anos para resolver a sua situação com a União Europeia, difícil será imaginar o cabo dos trabalhos de um Brexit ou de um outro qualquer país que, porventura, venha a atravessar-se no caminho, apesar da “vaga de desburocratização”, recentemente prometida pela presidente da Comissão.
O modelo de desenvolvimento futuro
O que divide, efectivamente, a Gronelândia é o modelo de desenvolvimento futuro, no âmbito de uma independência. Tamanhos parecem ser os recursos naturais, dos minerais ao petróleo, à pesca, à agricultura (embora de potencialidades reduzidas) e até mesmo a natureza/turismo. Grande aparenta ser a riqueza potencial, mas não se vislumbra por ali um largo entendimento quanto às formas de a materializar. E, segundo um estudo de opinião, a exploração de minérios ainda passaria, mas nunca a exploração de urânio que lhe está associada.
Terras raras e petróleo existem. Talvez não na quantidade que se pensa. Alguns analistas interrogam-se sobre o porquê de tanto interesse dos EUA, da Europa e da China nas terras raras da Gronelândia, para não enveredarem por locais mais seguros como Brasil, Canadá, os próprios EUA ou ainda países de África, onde as reservas identificadas são maiores e de melhor acessibilidade. Até porque na Gronelândia, a exploração destes recursos não é pacífica, sobretudo no tocante aos efeitos ambientais, dadas as características do território.
Não são ainda conhecidos os efeitos da exploração dos minérios nos glaciares. Há quem aponte para cenários muito complexos e imprevisíveis no Oceano Atlântico e mares do Ártico.
Apesar destas incertezas todas, a animação e ambição pelas terras raras da Gronelândia fervem por muitos lados, por razões bem diferentes. No caso da China, para manter o seu domínio mundial. Nos restantes e, designadamente EUA e UE, para “cortar” o cordão umbilical de sua dependência da China.
Na realidade, como se viu no artigo anterior, a China tem uma posição dominante, a nível mundial, sobretudo de natureza tecnológica, (mineração, refinação e transformação), difícil de igualar e tem vindo a sedimentar terreno no tratamento que confere aos países produtores de terras raras, porque se relaciona com eles em termos cordatos, de satisfação para as duas partes e não numa óptica de exploração tipo colonial.
Em 2024, o governo da Gronelândia estabeleceu uma estrutura regulatória “exigente” para a mineração, com padrões ambientais de tipo ocidental, sujeitando os investimentos a estas regras. O estabelecimento destas normas veio trazer dificuldades sobretudo à China, não na qualidade dos projectos, mas nos apêndices burocráticos. Com tudo isto, beneficia sobretudo a União Europeia, o que também é natural, dada a Gronelândia ser um território autónomo da Dinamarca, país da UE.
Mas, uma linha perpassa a grande maioria da população, a defesa do ambiente, e uma grande consciência de que, apesar dos avanços nas tecnologias da mineração das terras raras, um elevado grau de poluição persiste na sua exploração e, dadas todas as pressões, quer dos EUA, quer da Europa para afastar a China (apesar de deter a tecnologia mais avançada) permanece relutância da população por esta linha de desenvolvimento. Contudo, tem havido umas experiências aqui e ali e estão identificadas duas zonas onde se localizam as maiores reservas da Ilha.
As pescas e o turismo
Tem ganho algum peso um outro modelo de desenvolvimento assente nas pescas, turismo e na agricultura embora reduzida, devido às condições climáticas. Assinale-se que as exportações da Gronelândia são fortemente tributárias da pesca que representam 90% e contribuem para 25% do PIB da Ilha, que soma um pouco mais de 2 mil milhões de dólares.
A posição geoestratégica
Donald Trump entende que a Gronelândia é fundamental à segurança dos EUA que já dispõe de uma base militar na Ilha. Por outro lado, a rota pelo mar do Norte já está livre de gelo durante 10 meses/ano e com uma previsão de 100% a 25 anos.
A China tem cobiçado esta rota, associando-a à sua nova rota da seda. Aqui reside o grande problema. Primeiro, a China nem é um país do Ártico e, segundo, há uma grande vontade dos EUA e também da Europa de afastar a China para bem longe.
O problema de fundo é mesmo uma questão de geopolítica, de influência no futuro. Para Trump tudo se resolve mercantilizando. Compra-se, vende-se. Parece que o sucesso não vai bater-lhe à porta, pois não há vendedor.
O potencial sucesso de Trump começa a entrar em fase acinzentada, pelo menos, no que toca à economia mundial ou mesmo nos EUA, que até já levou a OCDE a baixar as perspectivas económicas no seu relatório intercalar de Março 2025, devido aos aumentos de constrangimentos da sua política económica nas trocas comerciais e nas incertezas dos investidores e consumidores. O relatório intercalar até contém uma simulação dos efeitos no PIB de um aumento médio das taxas aduaneiras de 10% sobre as economias e um dos países mais atingidos é os EUA (2º), só atrás do México (1º).
Tudo indica que “o sucesso” de Trump não passa pelo exibicionismo. Mas numa maior prudência e bom senso, o que nos parece, fora do seu modelo de gerir a política. Contudo, não há dúvidas. Algo de fundo está em mudança e a União Europeu, sobretudo, anda aos papéis, porque ainda não descobriu como, nem onde se posicionar.