Negoceia-se, no momento em que escrevo, um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia, mediado pela administração Trump. Washington pressionou Kiev a aceitar como base uma proposta claramente favorável às pretensões russas, procurando agora Kiev minorar perdas. Depois do encontro entre Trump e Putin em Anchorage, a pressão americana não bastou – e Moscovo ganhou tempo, conquistou mais território e reforçou a posição negocial, enquanto a Ucrânia se fragilizou, também devido ao mais recente escândalo de corrupção no governo Zelensky, agora na energia.

Ucrânia e União Europeia (UE) terão de ajustar o discurso e as posições à realidade, por muito que custe ver o agressor ‘premiado’. Já ninguém acredita que Kiev consiga reconquistar território e arrisca-se a perder ainda mais. O apoio europeu torna-se, além disso, cada vez menos sustentável: sem acordo, Trump poderá cortar fornecimentos militares e intelligence, que a UE, ainda nos primeiros passos no rearmamento, não pode suprir.

Do lado russo, as principais pretensões constam da proposta-base lançada por Trump. Por outro lado, as recentes sanções dos EUA às duas maiores petrolíferas russas – proibição de negociar com empresas norte-americanas, congelamento de ativos e sanções secundárias – aumentam a pressão sobre a Rússia.

O historial de tentativas falhadas aconselha prudência, mas estou em crer que há, agora, mais incentivos. Além dos já referidos, acrescento abaixo o que me parece ser o crucial.

Falta falar de quem mais tem manobrado nos bastidores: a China. É Pequim que tem apoiado a operação militar de Putin – primeiro com a parceria estratégica “sem limites” e, depois, comprando petróleo e gás que a UE deixou de adquirir e fornecendo bens essenciais, muitos de uso dual, incorporáveis em equipamento militar. Beneficiou ainda da energia russa barata e do desvio de atenção dos EUA do Pacífico para a Europa, numa fase em que intensificou a pressão sobre Taiwan. Tudo isto enquanto mantinha uma postura pública de “neutralidade” e apelos vagos a uma solução política. O que mudou?

Em julho, o ministro Wang Yi afirmou que Pequim “não quer ver a Rússia perder”, mas que um conflito prolongado não serve os seus interesses. Mais recentemente, perante as tarifas de Trump, a China anunciou restrições à exportação de terras raras e metais críticos, essenciais para a economia digital, forçando conversações e um acordo provisório com os EUA, onde é plausível que tenha sido incluída a questão ucraniana. Bastaria Pequim sinalizar a Moscovo que deve parar. Usando a expressão que Trump empregou contra Zelensky, é Pequim quem tem hoje “as cartas” no jogo da geoeconomia e geopolítica. Saímos do mundo ‘unipolar’ dos EUA de Trump para o mundo supostamente ‘multipolar’ apregoado por Moscovo, mas no fundo dominado pela paciente China.

Se for alcançada uma paz duradoura na Ucrânia e na Europa – um grande ‘se’ –, isso será muito positivo para a UE e para Portugal em termos absolutos, mas, em termos relativos, Portugal perderá a vantagem de destino seguro para turismo e investimento, e as economias de leste recuperarão dinamismo. Com o fim do PRR, do surto turístico, da imigração desregulada e da guerra ficará evidente que o nosso crescimento recente acima da UE não é sustentável e nos arriscamos a cair ainda mais em nível de vida relativo se não houver reformas que elevem o crescimento do PIB potencial.

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