A constatação pertence ao inspetor do Pentágono para a reconstrução do Afeganistão, num relatório tornado público em maio de 2018, contrariando frontalmente as declarações otimistas do ex-ministro da defesa James Mattis quanto ao desenrolar da guerra.

Passados 18 anos de incessantes combates, do lado norte-americano foram gastos 1,07 triliões de dólares, morreram e ficaram feridos, respetivamente, 2.372 e 20.320 soldados, ao que se junta do lado afegão mais de 111.000 mortos (civis e combatentes das várias fações) ou 360.000 mortos por causas diretas e indiretas pela guerra. Interrogamo-nos sobre o que terá ainda de acontecer para se perceber que a solução para o conflito deverá ser política e não militar. A intensidade dos combates não parou. Em 2018, morreram “apenas” cerca de 20.000 pessoas e os Talibãs controlam cerca de 50% do país.

O otimismo de James Mattis sobre o desfecho favorável da guerra recorda-nos o do seu antecessor McNamara, quando já estava ciente de que a guerra do Vietname não iria ser ganha. Isso não o inibiu de iludir o povo americano, como veio a reconhecer mais tarde pedindo publicamente desculpa. As palavras de Mattis fazem-nos interrogar se os norte-americanos estão a ser corretamente  informados do que se está realmente a passar no Afeganistão.

Ao contrário do seu antecessor na Casa Branca e da maioria no Senado, Trump terá percebido que se atingiu o chamado “impasse doloroso”, em que se tem mais a ganhar à mesa das negociações do que no campo de batalha. Isso ficou claro no seu discurso sobre o State of the Union, e tem sido materializado num renovado impulso do processo negocial. Aparentemente, nunca se terá estado tão próximo de um acordo de paz como agora, criando-se a esperança de encontrar uma solução política que ponha fim ao conflito.

Uma solução terá necessariamente de abordar: a revisão da atual Constituição, o calendário da retirada das forças internacionais, a garantia de que os Talibãs renunciam o apoio à Al-Qaeda ou a quaisquer outras organizações terroristas no Afeganistão (o que parece não será difícil dadas as conhecidas dissidências ideológicas com a Al-Qaeda e a ameaça que constitui a versão local do Estado Islâmico), não permitindo que o país se volte a tornar um santuário para organizações terroristas, e o reconhecimento dos Talibãs por parte de Cabul como um partido político legítimo. Isto implica um cessar-fogo e a realização de conversações diretas dos Talibãs com Cabul. A fórmula governativa resultante terá de passar pela partilha de poder, com a participação dos Talibãs.

Ironicamente nada disto é novo. Quem há dez anos sugerisse uma solução parecida era imediatamente descredibilizado, senão mesmo ridicularizado pelos promotores do discurso do mainstream apologético da guerra (muito se escreveu e disse erradamente sobre reconstrução e desenvolvimento, confundindo-a com a manobra psicossocial associada à contraguerrilha).

A solução final terá de ser percebida como honrosa para todas as parte. Esboroou-se o sonho de criar uma democracia no Afeganistão, mas não se perderá tudo. Criou-se a possibilidade do Afeganistão nunca mais albergar organizações terroristas no seu território. O que é bom. Pena é que os cientistas políticos de inspiração liberal tenham perdido uma oportunidade única de teorizar sobre a transformação de sociedades pré-modernas em democracias liberais, queimando etapas do desenvolvimento social. Onde é que eu já ouvi isto?