O ano político em Portugal começou com uma possível reviravolta no principal partido da oposição. Apesar de ser um ano eleitoral, logo mais entusiasmante para quem se interessa pela política, não eram expectáveis grandes surpresas. Porém, a candidatura à liderança do PSD de Luis Montenegro trouxe alguma novidade, não tanto por não ser expectável um desafio à desde sempre contestada presidência de Rui Rio, mas por este suceder antes das eleições legislativas, não sendo, embora, de prever que uma eventual mudança de chefia dos sociais-democratas venha a produzir grandes alterações na relação de forças entre os dois principais partidos.

De facto, a maior incógnita das próximas legislativas não é tanto quem as ganhará, pois a vitória do PS parece certa, excepto se ocorrer um factor imprevisível e grave como a repetição – que se espera não suceda – das tragédias de 2017, que seria inaceitável e decerto causaria severos danos às ambições socialistas, mas se alcançará a maioria absoluta.

A estratégia de Luis Montenegro comporta riscos, na medida em que uma mudança de liderança em ano eleitoral é um acto arriscado, até porque, em caso de maus resultados, ser-lhe-á imputada a total responsabilidade de ter causado uma mudança de chefia num momento crucial do jogo político, conferindo a Rui Rio o benefício da dúvida, por não ter sido submetido a sufrágio. Porém, face a um esperado fraco desempenho do PSD, para o qual, de certa forma, a pretexto da convenção Movimento Europa e Liberdade, Manuela Ferreira Leite preparou a militância, o antigo líder parlamentar social-democrata preferiu o risco ao resguardo estratégico, avançando já.

Consuma-se, assim, a fractura causada por uma tensão crescente que se vinha acentuando desde a presidência de Passos Coelho, entre uma tendência centrista, fiel à matriz do partido, e uma outra, de cariz mais direitista, representada pelo anterior líder.

Passos Coelho trouxe consigo uma nova geração da direita, oriunda dos meios académicos e de fortes convicções liberais, cuja consequência foi uma deriva do PSD para a direita, que resultou num ponto de não retorno, na medida em que qualquer tentativa de recentramento, como a ensaiada por Rui Rio, seria sempre encarada como uma colagem ao principal partido adversário.

Assumida como tendência e reforçada que ficou com o exercício do poder, a candidatura de Luis Montenegro pode também ser motivada por uma tentativa de clarificação ideológica, com o definitivo triunfo do sector mais à direita, dito passista, sobre os históricos sociais-democratas, ditos barões.

Por outro lado, esta candidatura terá também como motivo o receio de uma eventual sangria de votos para a recém-nascida Aliança. O partido fundado por Pedro Santana Lopes, cuja fidelidade ao legado de Sá Carneiro, de que se considerava fiel depositário, sucumbiu a mais uma derrota nas eleições para a presidência social-democrata, é outro dos temores dos inquilinos da Rua de Santana à Lapa.

Podendo vir a beneficiar da condição de novidade, a Aliança é encarada como uma potencial ameaça. Embora, a prazo, esta força política possa vir a esvaziar-se, como habitualmente sucede aos novos partidos, dada a rigidez do sistema partidário português, não é improvável que cause dano ao sociais-democratas nas próximas legislativas, que urge conter.

Quanto ao candidato e às suas qualidades, fica a incógnita. Tal como Rui Rio, Luis Montenegro não tem experiência governativa e não se notabilizou particularmente como líder da bancada parlamentar. Como se vem tornando hábito na política nacional, a liderança de uma força política da área do poder é disputada por uma personalidade que cresceu e adquiriu notoriedade dentro do partido, mas cujos motivos desses progressos só estão ao alcance dos iniciados nas lides partidárias, na medida em que as forças políticas são estruturas claustrais, cujas regras se revelam algo esotéricas para quem delas não faz parte.

Assim, Montenegro tem pela frente, no imediato, a conquista do partido; posteriormente, se conseguir o seu intento, tem um país para conquistar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.