A guerra tem o poder de transformar a nossa singularidade humana em pluralidade, ou seja, na condição potencial de vítimas do conflito armado. Passando a ser uma unidade estatística sobre o impacto directo de um conflito armado, que alimenta as bases de dados dos centros de estudo dedicados aos conflitos armados e à paz.
As unidades estatísticas não têm direito a um rosto e a um funeral que marca o fim da sua passagem na terra, encerrando, por conseguinte, um ciclo de vida. Assim, os seus entes queridos ficam privados de manifestar os seus afectos no último adeus.
O conflito armado não suspende a vida, como tal, mas, consegue, sim, transformar radicalmente a vida para um estado de morte potencial, de cada sujeito submetido a uma zona de guerra, sobretudo quando essa guerra é feita por bombardeamentos. Dentro de um espaço geográfico em conflito, cada sujeito é uma potencial vítima em estado de espera, ou seja, à mercê da sua sorte.
Não ser vítima mortal e, por isso, não constar da base estatística, melhor dizendo, não ser uma vítima colateral, como rotulam os políticos, não representa uma salvação per se. As feridas abertas pela dor causada pela morte dos seus familiares e amigos e pela vida desfeita em meros pedaços de nada constituem-se como marcas ou sinas de uma tragédia.
A experiência da violência gera sempre um impacto espiritual, podendo destruir o pilar de fé na humanidade e constituir um acto de entrega a um desespero tal que seria preferível não ter sobrevivido.
A ideia da guerra como solução política é tão ultrapassada que ninguém a defende abertamente, mas continua a ser utilizada como um instrumento de natureza política necessário na lógica de segurança. Sendo concedido como um direito de resposta para punir os outros. Seria, pois, singular registar cada vida perdida no conflito através de um museu, com os rostos, nomes e locais.
Talvez, com muitas dúvidas, percebêssemos que a guerra será sempre uma solução de elevado custo humano, porque reduz a singularidade humana e reduz a humanidade a uma base estatística.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.