O Bloco de Esquerda tem enchido as páginas dos jornais e os feeds das redes sociais. O caso Robles importunou o sossego celestial do BE, pouco habituado ao escrutínio público.

Já sabemos que Robles foi um ativista político contra o Novo Regime do Arrendamento Urbano – disparando diatribes contra Assunção Cristas – enquanto adquiria um imóvel e utilizava esse mesmo NRAU para valorizar o investimento. Para quem ainda não tem literatura para as férias, recomendo o “Last Man in Tower” de A. Adiga, que satiriza os “Robles” de Mumbai. Sabe-se também que Catarina Martins, não obstante ter sido uma feroz crítica do regime de alojamento local e do sucesso das reformas da PáF na área do turismo, tem-se dedicado à exploração destas atividades económicas.

Independentemente destes casos dos “New Kids on the Block”, importa analisar o percurso político do BE. Este partido é geneticamente policéfalo, tendo origem na UDP, no PSR e na Política XXI. Uma espécie de Hidra em forma de partido. O BE tinha como missão criar uma esquerda anticapitalista, anticonservadora, socialista e ecologista. Ignorando o oximoro desta missão (o socialismo é altamente conservador e a ecologia beneficia do mercado de capitais), vale a pena confirmar a autenticidade destes objetivos.

Começando pela Energia. O BE instrumentalizou manifestações contra a realização de estudos de prospeção de hidrocarbonetos na costa alentejana, durante o governo PSD/CDS. Hoje, assinalo a posição macia do BE perante a iminente prospeção de petróleo sem avaliação de impacto ambiental.

Por outro lado, se nos seus manifestos alvitra o combate às alterações climáticas, ao mesmo tempo posiciona-se contra as fontes de energia renovável, aliando-se a quem defende a energia nuclear e os combustíveis fósseis. Em termos de estratégia para a gestão dos recursos hídricos, o BE é o primeiro a vociferar contra a incapacidade do país na gestão das secas e cheias, enquanto protagoniza exibições contra o investimento em aproveitamentos hidroelétricos.

O Bloco é capaz de criticar as regras europeias de regulação bancária, mas não prescinde de nomear Louçã para o Banco de Portugal. O BE é a favor da eutanásia e do aborto, mas contra as corridas de toiros (aparentemente a vida animal sobrepõe-se à vida humana). É contra boys, mas pactua com o ataque à CRESAP, que, graças a Passos Coelho, estava a profissionalizar e despartidarizar a contratação de dirigentes para a Administração Pública.

Poderia apresentar mais exemplos, mas estes casos permitem inferir a natureza do BE: um partido de duas faces, tal qual Janus. Este movimento foi criado com uma agenda política muito específica, que hoje está esgotada. Tentou enquadrar-se no Parlamento Europeu, entre comunistas e anarquistas, e tem finalmente um irmão de sangue: o Podemos. A significância política do BE será determinada pela capacidade de construir uma agenda coerente e realista.

Está provado que a negação da economia de mercado é um exercício teórico e demagógico. Não precisam de incluir, no “Acampamento Liberdade”, os livros “The Wealth of Nations”, “Capitalism and Freedom”, “Capitalism, Socialism and Democracy” e “The Pure Theory of Capital”, de Smith, Friedman, Schumpeter e Hayek, respetivamente.

Podem simplesmente solicitar a Tsipras um workshop sobre a conversão do Syriza num movimento europeísta e capitalista.