Não sei se repararam mas a crise política originada pela discussão sobre a carreira dos professores termina com o PCP e o Bloco a protegerem o Governo de António Costa. Se esses dois partidos votassem a favor (ou, simplesmente, se abstivessem, como pretendia Mário Nogueira) na votação sobre a cláusula de salvaguarda, desde sempre reclamada por Rui Rio, tanto o PSD como o CDS teriam de cumprir a promessa de também votarem favoravelmente a lei no plenário do Parlamento e os professores teriam a esta hora os seus direitos reconhecidos.

Se, depois, esses direitos seriam ou não materializados pelas futuras possibilidades das finanças do Estado essa seria outra discussão. Mas, para já, haveria uma consequência: António Costa teria de se demitir, conforme a ameaça feita há uma semana.

Ou seja, a geringonça volta a funcionar, sobretudo porque o processo político já cumpriu o objetivo de fundo: evidenciar perante os eleitores que o acordo de legislatura não acabou com as diferenças políticas entre o PS e os partidos à sua esquerda – e também, afinal, não diminuiu a combatividade da oposição à direita. E agora é tempo de dizer que toda esta discussão é também o mais acabado exemplo da hipocrisia partidária.

Primeiro. Ninguém queria que o Governo se demitisse, talvez com exceção do próprio António Costa, para quem a vitimização talvez interessasse, sobretudo no curto prazo. Não é que isso seja o mais importante mas, efetivamente, o primeiro-ministro geriu com grande habilidade política e comunicacional todo o processo. Até do ponto de vista europeu apareceu como o defensor dos compromissos financeiros do país.

Segundo. O PS, o PSD e o CDS andaram aos ziguezagues. O PS deu, por várias vezes, esperança aos professores, sobretudo durante 2017; o PSD e o CDS só por pura irresponsabilidade, depois de terem sido governo no período da troika, responsáveis pela execução da austeridade e pelos cortes de direitos, poderiam querer confirmar-se como os partidos que iriam colocar em causa a sustentabilidade das contas do Estado. Daí terem recuado, com mais ou menos habilidade, depois do original acordo em sede de comissão, recuperando uma condição (a cláusula de salvaguarda) que sempre, antes, estivera sobre a mesa.

Terceiro. É indefensável que os professores dos Açores (onde o PS governa em maioria…) e da Madeira tenham reconhecidos os direitos que foram negados aos colegas do Continente. Não faz nenhum sentido, pelo menos num país que se queira socialmente coeso.

Quarto. Não se compreende que a inusitada frente popular que uniu fugazmente a esquerda e a direita pudesse pensar que seria possível restituir direitos aos professores sem fazer o mesmo com as outras carreiras especiais da função pública.

Quinto. É evidente que o Governo manipulou os custos desta reposição geral de direitos. As contas feitas pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) vieram testemunhá-lo. Não é que os números (567 milhões líquidos, contra os 804 milhões brutos do governo), pela sua dimensão, mudassem demasiado o paradigma, mas interessa reter a diferença (referente ao que se recuperaria em sede de IRS mais SS, ADSE e CGA) nas contas para perceber como se faz política em Portugal. E, acima de tudo, fixar o fundamental da mensagem da UTAO: a devolução dos rendimentos das diversas carreiras não colocaria em causa o défice e as regras orçamentais a médio prazo.

Poderia continuar mas fico por estas dimensões principais. O circo prossegue dentro de momentos e o PR já pode voltar ao convívio dos portugueses, perante quem reconheceu que o silêncio e o recolhimento têm significado político. Bem se ouviu.