A humildade engloba a noção apurada das forças e fraquezas próprias, o reconhecimento das qualidades dos contributos dos outros, e o desejo contínuo de aprender. Promove o exercício eficaz, responsável e sustentável de funções de liderança. Encoraja a escuta ativa e a decisão ponderada. Motiva para a recolha de dados, informação e contributos de outras pessoas, assim ajudando a compreender a complexidade das situações e a tomar decisões mais eficazes. Estimula o desejo de extrair lições de erros e fracassos. É um poderoso antídoto contra a arrogância e a soberba.
Todavia, a este lado brilhante acresce um menos luzidio. Cientes da incerteza, da ambiguidade, da complexidade e da falibilidade que caraterizam a vida e a tomada de decisão, líderes humildes podem ficar paralisado/as pela dúvida, pela longa ponderação das várias facetas de um problema, e pela auscultação de uma miríade de pontos de vista.
Mais grave, sobretudo num tempo de falsidades disseminadas despudorada e perversamente, é o risco de líderes humildes darem crédito a “pós-verdades” e a teses que, embora politicamente corretas ou atraentes, são infundadas – ou de serem tolerantes e empático/as com práticas e narrativas que, pejadas de ódio e desumanidade, são envoltas numa pretensa superioridade moral.
Esta complexidade é profundamente desafiante para quem estuda a liderança, quem seleciona líderes, quem vota, e quem tem de ajuizar sobre líderes. Há situações em que a autoconfiança e a capacidade de arriscar devem suplantar a humildade. Em que é necessário decidir contra tudo e todos. Persistir contra conselhos e recomendações. Ter coragem moral para ir contra a corrente e interesses, sejam eles próprios ou de aliados. Em que é moralmente imperioso “abraçar” a tese do adversário e ser justo.
Daqui decorrem duas ilações. Primeira: na escolha de líderes, devemos considerar a constelação de competências, em vez de nos atermos a qualidades isoladas. O facto de alguém ser humilde pouco nos diz sobre a sua capacidade como líder. O mesmo pode ser afirmado a propósito da coragem e da autoconfiança – ou, até, da honestidade. O mundo de hoje requer lideranças dotas de humildade, coragem, autoconfiança e empatia.
A segunda ilação é algo amarga: o valor ético de muitas ações do/as líderes apenas pode ser aferido a posteriori. A história está repleta de lideranças que foram apodadas de teimosas, arrogantes, cegas e surdas a conselhos, e até moralmente dúbias – para, mais tarde e perante os resultados, serem entronizadas como extraordinárias. Daqui decorre um paradoxo “do arco da velha”: quando avaliamos lideranças, requer-se-nos humildade para sermos cautos nas interpretações que delas fazemos, mas também coragem para sermos firmes e implacáveis na defesa de valores humanos fundamentais.
O paradoxo resulta da necessidade de combinarmos esses termos contraditórios. Requer-se-nos humildade para admitir que o/a líder de quem discordamos possa estar certo/a – mas também coragem para jamais dar tréguas a atuações sombrias.
A leitores que preferiam um argumento mais “simples” sugiro a leitura de boas biografias de líderes como Mandela, Lincoln, Gandhi, Luther King e… Rui Nabeiro. Eram humildes – mas igualmente autoconfiantes. Também corajosos. Por vezes pareceram arrogantes. Não eram santos. Também Jacinda Ardern e Angela Merkel podem ser descritas, pelo que hoje se conhece, com predicados similares. Mas não são santas.