Tenho lido com interesse e curiosidade as reações na sociedade civil à proposta legislativa do LIVRE, na sequência da aprovação do Orçamento do Estado, sobre um projeto-piloto de implementação da Semana de Quatro Dias.

Mais do que esperava, este tema, longe de ser novo, tem vindo a suscitar debate entre a sociedade civil sobre o tipo de trabalho e emprego que atualmente temos e os benefícios que novos modelos laborais poderiam trazer, no sentido de promover uma maior conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar.

A iniciativa aprovada no Parlamento propõe que “o Governo promova o estudo e a construção de um programa piloto que vise analisar e testar novos modelos de organização do trabalho, incluindo a semana de quatro dias em diferentes setores e o uso de modelos híbridos de trabalho presencial e teletrabalho”, envolvendo “um amplo debate nacional e na concertação social sobre novos modelos de organização do trabalho”.

As diversas reações vão do interesse e entusiasmo até perspetivas mais conservadoras e tradicionalistas, como aquelas que foram expressas por figuras como Durão Barroso, que referiu recentemente, em declarações ao “Diário de Notícias”, considerar que a semana de quatro dias é prematura em Portugal, sublinhando, a propósito, que “o mais importante não é a quantidade, mas a qualidade do trabalho num país com problemas de produtividade. Se ainda reduzimos mais o tempo de trabalho, vamos ter um problema maior na produtividade”.

O que me parece é que Durão Barroso não consegue ver para além de um Portugal refém do trabalho de baixo valor acrescentado e com uma ética de trabalho em que, se não estamos constantemente ocupados com o trabalho, isso é considerado negativo. As suas afirmações representam, por excelência, a ideia cega de que o elevado número de horas de trabalho é a norma a seguir.

Qual o trabalhador que, hoje em dia, nunca sentiu uma maior satisfação por parte da sua entidade patronal ao ver trabalhadores diligentes a realizarem uma jornada diária de dez a 12 horas de trabalho? Mas essas jornadas têm um enorme custo pessoal, a nível físico e mental, e todos conhecemos histórias recorrentes de burnouts (transversais a todas as faixas etárias).

Além disso, em áreas laborais onde impera uma maior digitalização do trabalho, essa digitalização só tem contribuído para esbater ainda mais as fronteiras, na medida em que ferramentas digitais de trabalho impossibilitam uma desconexão total do emprego.

A nossa cultura de trabalho está absolutamente centrada na necessidade de sobrevivência e achamos que sobrevivemos mais se trabalharmos um maior número de horas. A verdade é que uma discussão sobre produtividade não pode centrar-se apenas no tempo de produção, mas deve também considerar o valor do que é produzido.

Em Portugal temos demasiadas áreas e setores em que produzimos baixo valor acrescentado com tempos de trabalho elevados e é este o paradigma que é vital mudar na próxima década se queremos manter as gerações mais qualificadas no país.

Por virtude das sucessivas crises económicas e geopolíticas do séc. XXI, e da crescente transição digital, nunca foi tão importante refletir sobre novos modelos laborais que contrariem a desigualdade entre trabalhos de baixa e alta qualificação e a separação entre trabalho e bem-estar físico e mental.