Portugal dispõe de uma matriz de liberdade e tolerância. A história regista como marcos do nosso contributo para a civilização o fim da pena de morte e a abolição do tráfico de escravos, datando de meados do século XIX a legislação que lhe pôs fim. E mesmo tendo terminado há quase meio século a colonização portuguesa, nunca esta foi considerada violenta e desumana.

Os episódios de racismo no nosso país felizmente são escassos. Mas, ainda assim, são demasiados. Que um episódio no futebol sirva então para voltar a debater a questão e promover um abanão nas consciências. Sem que se encontre qualquer desculpa ou justificação para comportamentos que ponham em causa a igualdade entre todos. Se transigirmos hoje, ou aceitarmos sob qualquer pretexto estes comportamentos, estaremos a aceitar como normal quaisquer outros episódios de discriminação, seja pela etnia ou género, seja pela idade ou religião.

Hoje parece fácil protestar por este ato. Mas tomemos este momento para olhar para o mundo e constatar que os fundamentalismos e extremismos tendem a crescer e podem permitir que a discriminação, a violência e o ódio regressem e conduzam a atos ainda mais radicais, considerados como fazendo parte do quotidiano.

Nunca será demais regressar a este tema. E, por ele, promover relações pacíficas entre cidadãos e Estados, pelo retorno à discussão saudável entre religiões, praticar a competição e concorrência e não a agressividade que interfere com os discursos, que determina as opções, que incendeia os espíritos.

O racismo não é um chavão. É uma manifestação contranatura perante a diversidade que enriquece a humanidade. Há quem não saiba conviver com os outros, e com isso demonstra a sua própria pequenez. Nestes atos não pode haver conivência com os que praticam o desenraizamento social, escondidos nos seus grupos e mostrando uma enorme dose de cobardia.

Esta discussão não é de direita, nem de esquerda. Daí a unanimidade na sua condenação. Não pode haver aqui taticismos ou reservas Nem se podem admitir justificações, porque isso constitui uma condescendência com o partilhar de vida em sociedade, ou uma forma de mostrar que ainda não evoluímos o suficiente como Humanidade. Há temas que consideramos adquiridos que não o estão. E quando verificamos isso para além de recordar conceitos, agitando espantalhos, é porque os monstros apenas andam ocultos e o conflito espreita a cada distração.

Andamos a discutir os infindáveis direitos dos animais, a colocar na agenda as opções fraturantes de estilo de vida, a protestar sobre opções energéticas como se todas fossem as opções mais determinantes para a evolução do ser humano. E esquecemos os direitos já seculares, mais básicos, mais essenciais, mais indiscutíveis, integrados em instrumentos tão distantes que quase isolados, como a Declaração dos Direitos do homem e do cidadão da Revolução Francesa de 1789, ou constantes da Declaração Universal dos Direitos do Homem com mais de 70 anos.

A abolição do racismo não se fará por via legislativa ou por julgamento popular. Faz-se pela educação cívica, por não permitir que se promova a discriminação. Faz-se pela condenação firme de comportamentos que conduzam ao ódio, à violência ou a diminuição da humanidade.

E podemos repetir esta discussão pelos tempos fora, até que seja erradicada a questão entre pessoas. Em nome da humanidade.