Ao longo da campanha para as presidenciais, Ana Gomes fez da ilegalização do Chega uma das suas bandeiras. Uma forma de atacar o líder do Chega, André Ventura, o candidato que com ela disputava o segundo lugar. Uma luta que se afigurava renhida, como, aliás, os resultados viriam a confirmar.

Encerrado o ato eleitoral, poucos serão aqueles que, conhecendo a práxis política de Ana Gomes, acreditam que a ex-eurodeputada dê por finda a sua intenção. Interessa, por isso, perceber o enquadramento legal da questão e, sobretudo, o aproveitamento político que dela poderá vir a ser feito.

No respeito pela Constituição e pela Lei dos Partidos Políticos, a Lei Orgânica n.º 2/2003, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2008 e Lei Orgânica n.º 1/2018, um partido pode ser dissolvido por deliberação dos seus órgãos, nos termos das normas estatutárias respetivas – art. 17.º – ou através de extinção judicial – art.º 18.º.

É esta segunda via que Ana Gomes pretende usar, socorrendo-se da alínea a), pois considera que o Chega é uma organização racista ou que perfilha a ideologia fascista, algo que a Constituição Portuguesa proíbe no ponto 8 do art.º 51. Por isso, se mostra disposta a recorrer ao Ministério Público, o organismo a que cabe a responsabilidade de requerer ao Tribunal Constitucional a extinção judicial de um partido.

Um processo espinhoso. A dificuldade é, desde logo, encontrar prova que sustente o requerimento. De facto, a leitura da alínea f) do ponto 3 do art.º 2. da Declaração de Princípios e Fins do partido permite ver que o Chega assume o compromisso com “a rejeição de todas as formas de racismo, xenofobia e de qualquer forma de discriminação, seja ela positiva ou negativa, contrária aos valores fundamentais da nossa cultura, da nossa História e da tradição”.

Um articulado que descansa André Ventura e, simultaneamente, lhe concede a possibilidade de se vitimizar e de colocar em causa o sistema. Uma estratégia de que todos os líderes populistas antissistema sabem tirar proveito, com a agravante de ao chamar à colação a nossa História, André Ventura fazer uso do discurso populista identitário ou cultural.

Porém, como na Constituição não surge a palavra «populismo» uma única vez, não se afigura fácil provar que é proibido ser populista em Portugal. Aliás, se tal acontecesse já teriam sido extintos judicialmente os outros partidos populistas de esquerda – PCP, PEV e BE – ou de direita – PNR.

Claro que há hipótese de o Ministério Público recorrer a cartazes ou discursos, mas aí o Chega será lesto a justificar-se. Melhor, a vitimizar-se, em nome do interesse nacional. Uma forma de captar novos apoios.

Por isso Ventura esfrega as mãos de contente, apesar do ar aparentemente compungido, para que Ana Gomes materialize a sua intenção. O resultado não lhe levanta dúvidas e o mediatismo é sempre bem-vindo.

Em política, nada pior do que passar despercebido. Não ocupar um espaço em horário nobre. A luta de Ana Gomes, além de condenada ao fracasso, garante a Ventura tempo de antena que o líder do Chega não irá desperdiçar.

Como a História recente se está a encarregar de provar, o populismo antissistema sabe muito bem tirar proveito do funcionamento da democracia representativa. Sabe servir-se do sistema que quer fazer implodir. Tudo em nome da democracia iliberal que de democracia nada tem. A Hungria como pior exemplo.