Vivemos num tempo onde a inovação se tornou um mantra inquestionável. Empresas anunciam concursos de ideias, laboratórios de criatividade, hackathons, parcerias com startups e investimentos de milhões em tecnologia.

Mas há um problema que poucos ousam admitir: estamos mesmo a inovar ou apenas a alimentar a ilusão da inovação?

O mais recente relatório da Boston Consulting Group (Innovation Systems Need a Reboot, 2024) lança um alerta inquietante: embora 83% das empresas considerem a inovação uma prioridade estratégica, apenas 3% sentem que estão preparadas para transformar essa ambição em impacto real. Esta desconexão expõe um dos maiores desafios da gestão contemporânea: a inovação tornou-se imprescindível, mas nem sempre cria valor.

O metabolismo da inovação e a criação de valor

Muitas empresas estão presas a um ciclo de atividade frenética, confundindo movimento com progresso. A verdade é que nem toda a inovação é relevante. E também é verdade que, mesmo que a inovação entregue opções de futuro promissoras, a sua real implementação será sempre inviável se não existir um conjunto de requisitos organizacionais a montante e a jusante do processo da inovação.

O Metabolismo de Inovação, um modelo que desenvolvi ao longo dos últimos anos para analisar o impacto dos sistemas de inovação nas empresas, revela que a inovação só gera valor sustentável quando cinco elementos fundamentais estão alinhados:

  • Propósito forte: a inovação alimenta-se de propósito e alimenta o propósito da empresa;
  • Alinhamento estratégico: a inovação deve responder a desafios presentes e futuros do negócio e não ser apenas um exercício de criatividade sem direção;
  • Processos ágeis e eficientes: os sistemas profundos da empresa devem favorecer a inovação, de forma transversal;
  • Cultura organizacional adequada: sem segurança psicológica, capacidade de experimentação ou modelos de aprendizagem para o falhanço, a inovação será sempre esporádica;
  • Modelo de gestão da inovação disciplinado: a inovação tem de ser gerida de forma clara e eficiente, com métricas, processos e ferramentas que estimulam a apropriação pela empresa dos seus resultados.

A armadilha da inovação irrelevante

O relatório da BCG revela que as empresas que conseguem integrar inovação na sua estratégia de negócio geram 74% mais receitas provenientes de novos produtos e serviços do que as que falham nesse alinhamento. No entanto, muitas organizações continuam a cair na armadilha da inovação irrelevante. Seja pelo apelo “cosmético” da inovação – iniciativas criadas apenas para reforçar a imagem da empresa como inovadora, sem verdadeira intenção de adoção ou escalabilidade –, seja pela indisciplina da sua gestão – “os processos são inimigos da criatividade” ou “é melhor fazer isto de forma separada do negócio, para não desfocar” – a verdade é que a inovação se torna, demasiadas vezes, casuística, caótica e dispendiosa. Porque não foi desenhada a pensar verdadeiramente na criação de valor.

Da ilusão ao impacto real

É tempo de abandonar métricas vazias, visões ultrapassadas, e métodos errados,  e focar no que realmente importa:

  • Menos iniciativas, mais impacto: a inovação não deve ser medida apenas pelo número de projetos iniciados (esforço), mas pela capacidade de gerar novos fluxos de receita, aumentar a competitividade e fortalecer a proposta de valor.
  • Da exploração à execução: experimentação sem implementação é um desperdício; as empresas precisam de acelerar a transição entre testar e escalar, garantindo processos e modelos de investimento adequados que permitam que as ideias certas – aquelas que foram desenvolvidas com base em evidências – chegam ao mercado.
  • Inovação como disciplina, não como espetáculo: a verdadeira inovação exige rigor, método e continuidade; não é um evento isolado, mas um processo contínuo de aprendizagem e transformação.

A ilusão da inovação pode ser confortável, mas apenas uma inovação disciplinada e próxima dos negócios – presentes e futuros – será capaz de construir o próximo legado das nossas empresas. Empresas que inovam para impressionar tornam-se irrelevantes. Empresas que inovam para transformar tornam-se incontornáveis.