Quem controla a agenda e a opinião pública, controla o destino da nação. Que destino nos espera se não nos sentirmos autorizados a discutir o tema da imigração? Ainda que a diferentes velocidades, todos os povos europeus acabarão por ser chamados a pensar sobre a entrada massiva de extra-europeus nos nossos territórios, como vai ficando evidente em nações centrais como a França ou a Alemanha.

É pouco relevante tentar avaliar as intenções de quem suscita o tema ou dizer que determinado momento não é o mais oportuno para trazer o tema à baila – obviamente, para quem acha que as preocupações com a imigração são sempre ilegítimas, todos os momentos serão inoportunos!

Num ambiente realmente democrático, espera-se que os temas mais urgentes sejam verbalizados em muitos contextos, de jeitos muito diversos, e até atravessando diferentes sensibilidades no espectro político. Reprimir o livre debate gera duas consequências: a radicalização, tanto de pessoas que se sentem censuradas quando manifestam preocupação em relação à imigração, como das que operam na sociedade como zelotas da moral dominante; por outro lado, gera a fragilidade da argumentação de parte a parte, por falta de exercício intelectual e de confronto regular com ideias.

Concretamente no caso português, vemos alguma falta de maturidade da argumentação anti-imigração, que segue a opção mais fácil de aludir a um perigo de islamização que, felizmente, não tem sido um problema no nosso território (embora várias nações europeias caminhem a passos largos nesse sentido, com efeito expressivo e célere no domínio eleitoral). Do outro lado, encontramos depois uma irresponsabilidade infantil entre os que defendem que actual fenómeno migratório está repleto de vantagens e isento de perigos.

Ora, uma política de fronteiras muito permissiva acarreta consequências irreversíveis para o destino da nação e, como tal, constitui profunda deslealdade à comunidade esconder a relevância deste assunto. Os massivos fluxos migratórios num dado país têm efeitos permanentes e estruturais que vão muito além de possíveis aumentos de criminalidade violenta, de actos terroristas ou de tensões religiosas.

Quem se perde nesse argumento, fica atolado numa conclusão insustentável e incoerente: a de que os Estados europeus podem manter as mesmas políticas de fronteiras, desde que passem a exercer um controlo apertado da conduta caso a caso, deportando aqueles que entrem numa lista negra de transgressores da lei. Bem, é fácil imaginar a tarefa hercúlea que se colocaria às forças de segurança no campo da acção preventiva.

De facto, todos os povos europeus têm o legítimo direito a questionar as opções políticas quanto à imigração, seja por se sentirem inseguros, seja por se sentirem incomodados com uma presença religiosa estranha e intrinsecamente expansionista.

Mas, além destes lugares-comuns tantas vezes revisitados, é imperativo abordar a imigração, sim, mas por este ser um tema transversal a várias áreas e com consequências duradouras que afectam o bem comum. Ele interfere com a vitalidade da comunidade entendida como organismo coeso, assente em vínculos com o passado e com o presente, que floresce em torno de um projecto colectivo diferenciador. Portanto, evitar a alteração drástica da identidade da comunidade no breve espaço de uma ou duas décadas será a verdadeira prova de fogo das nações europeias, acima das políticas sectoriais e das oscilações no crescimento económico no curto prazo.

Falar com inquietação de imigração é: defender o direito dos povos europeus à preservação do seu património etnocultural; reconhecer que existe sobrecarga nos serviços públicos (saúde, transportes, educação, etc.), visto que os recursos públicos não são ilimitados; denunciar que existe uma degradação dos salários porque muitos imigrantes se prontificam a trabalhar por compensações míseras e indignas; perceber que a sensibilidade ética e o temperamento cívico no espaço público sofre alterações à medida que se esbate a linguagem ética partilhada; notar alguma imprevisibilidade nos negócios e nos acordos, formais ou informais, por diversidade de códigos de conduta e de hábitos; e, finalmente e não menos importante, desejar conservar o vínculo dos povos ao legado cultural, inclusive o seu sentido estético e a sua forma de amar e de dignificar o lugar de cada pessoa em sociedade.

Considerando a profundidade do problema, também é desadequado acreditar que ele se resolve com uma política de quotas. Ainda que as propostas nesse sentido sinalizam uma preocupação louvável de contenção do problema, o princípio com que pactuam não é o mais dignificante e o resultado também não será o melhor. Quanto ao princípio de base, é errado reduzir o Estado a uma lógica empresarial. Os resultados também não seriam os mais felizes, pois o Estado não tem conhecimento omnisciente para prever as reais necessidades da economia no futuro e todo o método potenciaria maior captura do Estado por parte de grupos económicos.

Quem poderá pôr em causa a legitimidade destas inquietações, quando se percebe que é quase impossível recuperar aquilo que demorou séculos a ser construído? Os europeus terão de aceitar que o seu património caia na ruína do esquecimento ou que seja aviltado publicamente, numa espécie de flagelação perante os outros povos? Terão de assistir à guetização das suas aldeias, vilas e cidades para que a economia absorva os supostos activos indispensáveis às necessidades do país?

Esse caminho não será uma fatalidade se a sociedade desafiar aquilo que alguns decisores políticos e intelectuais do regime definem como linhas entre o aceitável e o inaceitável, entre o decente e o indecente. A Europa é, antes de tudo, a casa dos europeus, não é o planeta B de todos os povos nem uma trágica torre de Babel.