Esta semana surgiu a notícia de que um dos fãs do cantor Nick Cave lhe enviou a letra de uma canção composta “ao estilo de Nick Cave” pelo ChatGPT, a aplicação de inteligência artificial criada pela OpenAI, que desenvolve um estilo conversacional mais sofisticado e semelhante a humanos.
Por estes dias não têm faltado artigos e ensaios a comentar as potencialidades do ChatGPT e as suas implicações éticas e impacto em muitos setores da sociedade.
O lançamento desta aplicação “demo” (não será gratuita por muito tempo) tem sido anunciada em termos revolucionários e todos os dias milhões têm testado o chatbot, a tentar avaliar o grau de precisão, mas Nick Cave foi rápido a dar o seu veredicto. “A canção não presta”, foi a sua resposta, “com todo o amor e respeito no mundo, esta canção é uma treta, uma imitação grotesca daquilo que é ser humano e, bem, não gosto disso”.
Mas não falamos só de letras de música. Um homem escreveu, em vários dias, um livro para crianças através do ChatGPT e ilustrou-o com a ajuda do Midjourney, outra ferramenta de inteligência artificial que deixou o meio da ilustração e do design algo incomodado, pela capacidade de satisfazer pedidos de arte com grande detalhe e complexidade.
O autor pôs o livro à venda na Amazon, dispensando toda uma série de intermediários, aplicando-lhe a lógica de “Do It Yourself”.
Modelos como o ChatGPT são treinados num vasto conjunto de dados para descobrir relações entre os elementos que lhes permitem replicar capacidades humanas, mas estão longe de simular a mente humana (ainda não chegámos ao futuro do universo Culture de Iain M. Banks).
Mais do que imaginarmos um futuro com máquinas conscientes (ou não), o que nos deveria realmente preocupar é a capacidade que está a ser desenvolvida pelo chatbot de responder às nossas solicitações de uma forma que substitui parte do trabalho que realizamos diariamente. Ora, a possibilidade de traduzir, redigir textos académicos ou empresariais, desenvolver investigação e pesquisa, permite-nos trabalhar de forma muito mais rápida e barata, duas palavras mágicas na sociedade do capitalismo.
E aqui chegamos à questão da automação. Durante anos ouvimos falar da automação, a capacidade de a máquina substituir o homem no trabalho, como um mal que iria afetar principalmente gerações mais velhas ou digitalmente excluídas. E embora isso continue a ser realidade, entramos em paralelo numa nova era de modelos tecnológicos que pode dar-se ao luxo de prescindir de parte das nossas competências e qualificações laborais.
A última geração de ferramentas de inteligência artificial avança sem travão ao nível empresarial, na sombra dos grandes players do mercado. Mais, a velocidade do sucesso comercial destes novos modelos, como o ChatGPT, ainda não nos deu tempo para avaliar as consequências nem entender como esta rápida evolução poderá fazer oscilar perigosamente a balança ainda mais para o lado daqueles que já detêm bastante poder.
A rapidez das empresas não tem sido acompanhada pela rapidez de regulação política, e, na última década, temos visto como essa lentidão trouxe consigo consequências desastrosas.
Nunca nos podemos esquecer que por detrás de uma máquina e algoritmos, estão inúmeras mentes humanas a conceber o seu treino, e essas mentes têm a sua própria agenda económica, social e política.