A tokenização de produtos financeiros vai começar a sério na União Europeia (UE) em 2025, tal como já aqui discuti. Na verdade, quando falamos de produtos, também estamos a pensar em serviços, pois a lei na UE requer o licenciamento dos mesmos para que ambos possam ser oferecidos aos consumidores, e sempre com a devida supervisão. É por isso que as criptomoedas não reguladas, bem como os modelos de negócio da DeFi, não podem ser considerados serviços financeiros no sentido estrito do termo, estando, no entanto, à disposição dos consumidores para investimento e reserva de valor.
Assim, para que possamos utilizar a auto-execução da web3 nos serviços financeiros, terão de aparecer novos fornecedores devidamente regulados, e a questão é que serviços vão passar a estar disponíveis. A regulação aplicada Julho de 2024 refere agregados monetários, e a que foi aplicada já em Abril de 2023 foca em (i) acções, (ii) obrigações e (iii) fundos com unidades de participação.
Já aqui tenho referido que não devemos utilizar uma nova tecnologia para fazer o mesmo que antes, pois, nesse caso, o único ganho será o de algum potencial de eficiência, não esquecendo que este mesmo ganho terá sempre de compensar o investimento necessário para operar toda a mudança, e muito para além da tecnologia em si.
Ora, a história tem mostrado que o sucesso das novas tecnologias, tais como a web ou a mobilidade dos smartphones, vieram criar de modelos de negócio completamente novos, invalidando inclusivamente os anteriores. Temos vivido já há quase três décadas no mundo da disrupção com novos ecossistemas e novos equilíbrios, sendo as Big Tech exemplos dos mais incontornáveis.
A 4ª Revolução Industrial está a caminho e, desta vez, começou no sector financeiro. Que oportunidades nos esperam com a tokenização dos seus produtos e serviços?
Em primeiro lugar, convém recordar o que já pode ser tokenizado por lei.
Quando se ouve falar em abordagens agnósticas relativamente à tecnologia, tal significa que a utilização da web3 não fará mais do que o que já era possível com as tecnologias anteriores, e sem qualquer valor acrescentado. É o caso dos exemplos de tokenização franceses e alemães essencialmente de obrigações e fundos até à data, não sendo, portanto, verdadeiramente interessantes. Então, quais as verdadeiras vantagens da web3 quando aplicada de forma não agnóstica para além do que é possível com as tecnologias anteriores? Na verdade, a inovação em causa já começou e vai ter lugar por patamares.
O primeiro e mais simples patamar é a tokenização do dinheiro fiduciário, já em curso desde Julho de 2024. O facto de os euros neste tipo de formato digital terem vida própria, vai revolucionar o sistema de pagamentos na União Europeia.
Mas o mais interessante não é olhar para os pagamentos como habitual, mas sim a possibilidade de estes serem utilizados no contexto da auto-execução ecossistémica de transacções, só possível na web3. Ora bem, para beneficiar das vantagens desta tremenda redução de fricção na economia, vamos precisar de carteiras digitais devidamente certificadas e que identifiquem os seus utilizadores de uma forma semelhante ao que já fazemos hoje com a chave móvel digital. Está a caminho, tal como aqui já discutimos.
Ora, também é assim que devemos olhar para a tokenização de acções, obrigações e fundos com unidades de participação. A sua extrema conveniência vai permitir, pela primeira vez, a existência de mercados secundários desses mesmos produtos com liquidação em quasi-tempo-real e aberto a todos os que queiram participar em ambos os lados do mercado, i.e., oferta e procura. Estes produtos financeiros vão passar a estar mais acessíveis às empresas de menor dimensão, e esta democratização promete libertar um conjunto enorme de activos até hoje impossíveis de activar para suportar a economia.
Mas há uma última dimensão que torna a tokenização de activos financeiros verdadeiramente estratégica, quer para as organizações competidoras na economia, como para a economia em si, sendo inclusivamente factor de vantagem competitiva para ambos os níveis de agregação das actividades. É que o sector financeiro não é um fim em si para a economia, mas apenas um meio para a tornar mais eficiente cada ecossistema onde o capital, nas suas várias formas, faça a diferença, mesmo para as simples trocas de valor. Ou seja, vão ser os vários ecossistemas económicos a beneficiar directamente da conveniência acrescida das transacções financeiras.
Por exemplo, o sector imobiliário, nas suas diversas fases, desde a construção e promoção, passando pela venda, aquisição, investimento ou aluguer, vai ser com certeza dos primeiros a beneficiar da revolução. E o que dizer dos sectores que dependam da trade finance, a partir do momento em que os direitos associados aos activos financeiros possam ser auto-executados em garantias que trocam de mãos?
A web3 vem aí e é a sério. Está na altura de todos pensarmos como aproveitar as vantagens de ser o primeiro. Precisamos rapidamente de uma estratégia.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.