Carl von Clausewitz foi um general prussiano que assistiu, ao longo da maior parte da sua vida, ao sucesso das capacidades tácticas gaulesas no rescaldo da revolução francesa. Napoleão acabou por ser derrotado na Batalha de Waterloo em 1815, porém, as extraordinárias vitórias de Napoleão não deixaram de impressionar o mestre prussiano.

Como é que um exército menos bem equipado, menos bem treinado e por vezes em inferioridade numérica foi capaz de derrotar tantos exércitos, em particular os alemães? Como foi possível ocupar a digna herança de Frederico, o Grande, em pouco mais de três semanas nas batalhas de Jena e Auerstädt em 1806?

Clausewitz passou pela escola de guerra em Berlim, onde foi encontrando respostas e concebendo a sua visão durante mais de uma década, escrevendo e reescrevendo uma obra com o título “Da Guerra”, publicada a título póstumo pela sua mulher. O livro inacabado tinha sido cuidadosamente guardado pelo general antes de ir para a guerra em 1830, tendo falecido na sequência de um surto de cólera que despontou na Europa exactamente na zona onde ele se encontrava.

Segundo John Keegan, “Da Guerra” ganhou preponderância quando o General von Moltke, o grande obreiro da consolidação do império alemão no séc. XIX, ao serviço de Otto von Bismarck, deu como explicação para os seus sucessos militares o facto de ter lido Clausewitz. A obra de Clausewitz, apesar de inacabada polémica, tem sido estudada e discutida nas escolas militares em todo o mundo, servindo de inspiração para praticamente todos os regimes políticos. O que nos ensina Clausewitz que possamos aplicar na também estratégia empresarial?

“A guerra é a continuação da política por outros meios” é a frase mais citada de Clausewitz, e também a mais polémica, pois a tradução do alemão original pode ter várias interpretações. A “guerra total” é outro conceito polémico, pois Clausewitz nunca mencionou o adjectivo “total”, referindo apenas “guerra absoluta”.

Não obstante, independentemente da boa ou má tradução da frase lapidar de Clausewitz, ou se a guerra absoluta era uma verdadeira referência à guerra total ou não, certo é que o general teorizou e exemplificou de forma brilhante os diversos planos de conflito, como forma de interpretar a mudança que justificou a supremacia da estratégia gaulesa relativamente a todos os outros espaços geopolíticos durante tanto tempo e com tanto sucesso. É por isso que a sua obra é extremamente relevante nos dias de hoje.

Estamos a assistir, desde há décadas, ao escalar do conflito geopolítico muito para além da utilização das forças armadas convencionais. Fala-se de guerra económica, de guerra da informação e de guerra da 4ª geração. Na verdade, todas as empresas e entidades estão hoje envolvidas no conflito do seu espaço geopolítico. Portanto, se o conflito em que as empresas se inserem nunca foi tão “total” como o que hoje se vive, o que nos pode ensinar Clausewitz sobre a estratégia com utilidade também para as empresas?

Para lidar com a guerra total (ou absoluta) Clausewitz define um conceito supremo, a sua famosa trindade, a qual parece ter ficado relegada apenas à história e longe da prática estratégica actual. Porém, como vamos ver, a trindade Clausewitziana é ferramenta inestimável no mundo de hoje, onde os espaços de conflito nunca foram tão absolutos.

O primeiro conceito da trindade é o poder político em conflito e representa a racionalidade. A sua segunda dimensão é a utilização das forças armadas, o que inclui hoje as empresas, e representa a sorte. E o terceiro conceito é o elemento humano, e representa a violência. Dito de outra forma, poder político, forças armadas e pessoas, envolvidos numa dança entre racionalidade, sorte e violência.

O ciclo de vida dos conflitos acontece sempre nestas três dimensões e conta sempre com os três ingredientes referidos. Porém, o mais interessante é a influência de cada uma das dimensões nas outras duas, e é nessa dinâmica que reside o verdadeiro poder da trindade Clausewitziana.

Aliás, o próprio Clausewitz refere cada uma das dimensões como uma espécie de polo magnético, numa dinâmica de confronto onde cada dimensão se torna momentaneamente mais importante ao longo das movimentações tácticas. A trindade Clausewitziana é, portanto, uma fantástica inspiração para uma análise dinâmica e totalmente integrada de todas as entidades envolvidas no conflito. O que precisamos então para a aplicar?

Em primeiro lugar, há que identificar todos os elementos de cada polo da trindade, para depois avaliar a influência de cada um desses elementos no conflito. Este primeiro passo já é uma extraordinária fonte de identificação de oportunidades e ameaças, cujo sucesso vai depender do detalhe e clareza dos elementos em análise.

O passo seguinte passa por analisar a influência que cada polo tem nos outros dois, de forma dinâmica e esclarecedora. O terceiro e último passo é a análise das conclusões anteriores para intuir de forma “total” o cenário de conflito em curso. Mas porque é esta visão mais completa e diferente das tradicionais análises de estratégia empresarial?

Com Clausewitz, aprendemos a identificar os actores, um por um, incluindo a sua influência e o que os move. Por exemplo, que entidades para além das governamentais têm capacidade suficiente para influenciar o ambiente político? Será que o papel do Facebook no Brexit foi devidamente considerado?

Outro exemplo é o da violência, que é o terceiro polo da trindade. As redes sociais têm sido utilizadas como arma de arremesso pelo menos desde os anos 90, com particular eficácia durante a última década desde que a mobilidade passou a interligar tudo e todos em tempo real. Haverá outro modelo de análise que possa explicar o assalto ao Congresso norte-americano em 5 de Janeiro passado? Como incluir esta nova forma de violência nas ameaças, mas também nas oportunidades?

Ao nível das “forças armadas”, ou seja, das empresas, há hoje uma multiplicidade de exemplos a brotar no seio dos ecossistemas económicos actuais. A auto-execução ecossistémica, já aqui referida, tem o poder de alterar significativamente o equilíbrio competitivo entre todas as entidades participantes de um determinado espaço económico, estando neste momento a indústria financeira sob ataque cerrado em todos os espaços geopolíticos. Será que vamos continuar a usar as tradicionais ferramentas de estratégia de negócio, quando é o próprio negócio que pode estar em causa, sendo vítima de forças mais abrangentes do espaço geopolítico?

Num mundo cada vez mais global, precisamos de ferramentas capazes de abarcar toda esta complexidade actual dos ambientes competitivos a partir de análises detalhadas aos actores relevantes e às forças visíveis e invisíveis em conflito.

As ideias de Clausewitz nunca foram tão importantes e actuais, e a trindade de Clausewitz é uma fórmula de sucesso para encabeçar qualquer análise estratégica. Agora só temos de passar à acção, e para isso há outros mestres da estratégia militar que nos ensinam a aplicar as tácticas mais adequadas para vencer, o que será tema para outra reflexão.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.