Um dos princípios fundamentais do Estado de Direito é o da “independência dos tribunais”. A ideia incorpora um conjunto de pressupostos histórico-filosóficos que hoje se dão por assentes como garantia da liberdade dos cidadãos e da Democracia. O tema voltou à ribalta, trazido por todos os que defendem a actuação da magistratura espanhola no caso da Catalunha, a começar pelos partidos espanhóis ditos “constitucionalistas”. Enquanto que os independentistas falam de “presos políticos” referindo-se aos que estão detidos em Espanha acusados dos delitos de rebelião, sedição e malversação dos dinheiros públicos, Rajoy, Rivera e Sanchez não discutem o tema, confortando as suas consciências com a ideia de que os tribunais são independentes e que decidem com base em critérios estritamente jurídicos e não políticos.
Há contudo quem discuta o tema e do lado que aparentemente é o menos confortável para essa discussão, justamente o da magistratura .
José Antonio Martín Pallín, considerado em Espanha um “dos melhores juristas da sua geração”, magistrado da secção Penal do Supremo Tribunal, deu uma entrevista ao El Mundo (edição de 30/12/2017) sobre a questão catalã. Sem negar a inconstitucionalidade do chamado “procés”, alimentado pelos independentistas para promover e realizar o referendo de 1 de Outubro e por isso aplaudindo a decisão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucionais as leis da fundação da república catalã, formula reservas ao comportamento dos seus colegas que acusaram e encarceraram os membros do Governo e do Parlamento catalão. Quanto a isso é taxativo: não há o menor vislumbre dos crimes de rebelião, de sedição e ainda menos de malversação. Essas decisões só podem ter sido ditadas por “excesso de zelo”, porque se assim não aconteceu e representaram cedência às pressões do poder executivo, então “seria algo gravíssimo”. E quanto à prisão preventiva, quer dos que estão detidos quer de Puigdemont, caso regresse, “não concorrem nenhum dos requisitos”. A questão é pois a da independência dos juízes. E sobre o tema diz: “Estruturalmente a Constituição e as leis orgânicas são impecáveis. Mas como em tudo há que ter em conta o factor humano. Os juízes têm ideologia”.
O ponto central da retórica de Martín Pallíns é que más decisões judiciais (um ressábio inquisitorial com restos de franquismo) a coberto da “independência” dos juízes, conciliada com a incapacidade do Governo de Rajoy em dialogar, agravaram a crise da Catalunha não deixando nenhuma saída feliz. E isso, mesmo para quem, como eu, considera que a independência da Catalunha seria um desastre para Portugal, é uma péssima notícia .