Esta semana, o Ministério Público (MP) indignou-se contra o juiz de instrução criminal Ivo Rosa, porque este impediu os procuradores de aceder ao que chamam de elementos probatórios documentais. Ou seja, indignou-se pelo facto desta figura, cuja função primordial é garantir o respeito pelos direitos dos arguidos, ter exercido o seu papel.

Agora em português que todos entendamos. O que queria o MP? Imaginem um Google adaptado ao processo do BES. No motor de busca escreviam EDP, António Mexia, Manuel Pinho, enfim, os protagonistas numa das mais recentes operações da Justiça. Selecionavam “pesquisar” e surgia toda uma lista de resultados de pesquisa sob a forma de documentos em que essas palavras eram referidas. Inclusive emails trocados. O MP jura que não quer ver os emails, só saber se existem. Mas descobrindo “eventuais” emails, depois vai poder abri-los, mas foi pura sorte tê-los descoberto! Porque iam só mesmo à procura de incidências, mas depois… afinal havia emails e, portanto, podemos agora pedir para lê-los.

Estará o leitor a pensar: e então? Qual é o problema, se todos queremos saber se houve, de facto, corrupção envolvendo a EDP, António Mexia, etc.? Certo. Mas, num Estado de Direito, o MP tem obrigação de ser claro e dizer ao que vai quando se dirige a um juiz. Ler emails, fazer escutas, devassar a vida privada de quem quer que seja não pode ser um ato leviano e, por isso, exige uma autorização de um juiz. Se o MP acredita que precisa desses meios para prosseguir numa investigação, que diga isso mesmo e submeta a decisão a um juiz.

Corajosamente, Ivo Rosa reagiu. Não acreditou nas reais intenções do MP e negou a pesquisa. Não negou a investigação, não impediu o funcionamento da Justiça, antes travou este “free style”. Querem ler emails, peçam autorização e fundamentem esse pedido com indícios fortes que levem a que o Estado suspenda o direito – essencial – à privacidade de um seu cidadão.

O MP indignou-se sobre o “afã” dos arguidos em “convocar a intervenção do juiz de instrução criminal” em “tudo o que mexe”. Ora, sabemos bem que, na prática, o papel do MP não é o de defender os direitos dos arguidos ou dos investigados que potencialmente serão constituídos arguidos. Embora fosse desejável que as suas operações se regessem também por esse princípio, admito que seria difícil pedir tanto ao MP. O seu pendor tomba normalmente para o lado da investigação e isso é o que, normalmente, permite descobrir provas e, finalmente, acusar.

Ora, porque aceitamos este pendor acusatório do MP – e bem – temos então os juízes de instrução criminal. É a estes que cabe garantir que esse pendor é reequilibrado para o centro, garantindo que, em todas as investigações a decorrer, os direitos dos investigados e/ou arguidos são respeitados.

A separação funcional e de poderes deve deixar-nos a todos mais tranquilos sobre o funcionamento da Justiça. Porventura inebriados pelas mega operações andamos esquecidos disto.