O recente acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no processo C-273/18 vem novamente gerar discórdia no seio das operações em cadeia (as chamadas chain supplies) em matéria de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”). O litígio em causa opôs a sociedade Letã Kuršu zeme à Valsts ienemumu dienests (Autoridade Tributária da Letónia – VID) a respeito da recusa desta última no reconhecimento do direito à dedução do IVA suportado. A Kuršu zeme é uma sociedade com sede na Letónia, a qual declarou aquisições de bens à KF Prema, sedeada na Letónia, tendo deduzido o IVA correspondente, pago a montante. Em virtude de uma ação de inspeção levada a cabo pela VID, observou-se que as aquisições efetuadas pela Kuršu zeme tinham ocorrido no final de uma cadeia de operações sucessivas entre várias sociedades. Com efeito, os bens em causa tinham sido vendidos pela Baltfisher, uma sociedade com sede na Lituânia, a duas sociedades com sede na Letónia. Em seguida, foram revendidos por estas últimas a uma outra sociedade estabelecida na Letónia que os revendeu à KF Prema. Esta, por último, revendeu os mesmos bens à Kuršu zeme, a qual assegurou o transporte desses mesmos bens desde Klaipeda (Lituânia) até à sua fábrica situada na Letónia. Não tendo podido encontrar qualquer explicação lógica para esta cadeia de operações, a VID considerou, por um lado, que, na realidade, as sociedades intermediárias não tinham exercido qualquer atividade na aquisição dos bens em causa e, por outro, que a Kuršu zeme não podia ignorar o caráter artificial da referida cadeia. A VID considerou, então, que na realidade a Kuršu zeme tinha adquirido os bens em causa diretamente à Baltfisher e, em conformidade, qualificou as aquisições em causa de aquisições intracomunitárias de bens sujeitas ao mecanismo do reverse charge para efeitos de IVA. Consequentemente, a VID retificou as declarações de IVA da Kuršu zeme, incluindo o valor dos bens enquanto aquisições intracomunitárias, aumentando os montantes de IVA devidos, retificando-se uma potencial prática abusiva. A questão prejudicial submetida ao TJUE foi precisamente a interpretação do artigo 168.º da Diretiva IVA, acerca da recusa do direito à dedução do IVA pago a montante, no advento de uma aquisição de bens ter ocorrido no final de uma cadeia de operações de compra e venda sucessivas entre várias pessoas e de o sujeito passivo ter adquirido materialmente a posse dos bens em causa nas instalações de uma pessoa que faz parte dessa cadeia, distinta da pessoa que figura na fatura como fornecedor. Ou seja, serão estes factos suficientes para evidenciar uma prática abusiva por parte do sujeito passivo ou é necessário demonstrar também qual é a vantagem fiscal indevida de que esse sujeito passivo beneficiou. Decidiu o Tribunal que para recusar o direito à dedução do IVA pago a montante, o facto de uma aquisição de bens ter ocorrido no final de uma cadeia de operações de compra e venda sucessivas entre várias pessoas e de o sujeito passivo ter adquirido materialmente a posse dos bens em causa nas instalações de uma pessoa que faz parte dessa cadeia, distinta da pessoa que figura na fatura como fornecedor, não é, em si mesmo, suficiente para constatar a existência de uma prática abusiva, estando a autoridade fiscal competente obrigada a demonstrar a existência de uma vantagem fiscal indevida de que esse sujeito passivo tenha beneficiado. A decisão agora proferida pelo TJUE parece vir em contraciclo dos casos paradigmáticos em matéria de prática abusiva, nomeadamente o processo Halifax (C-255/02), nos termos do qual a aplicação formal das disposições pertinentes da Diretiva IVA não deverá condicionar os elementos objetivos de uma operação que permitem avaliar a obtenção de uma vantagem fiscal efetiva, obrigando-se à redefinição das operações em conformidade. Aguardam-se por isso desenvolvimentos sobre a forma como as autoridades tributárias dos Estados Membros da União Europeia irão passar a analisar estas operações.