Para a economia portuguesa, a Europa e o mundo em geral, o sentimento de incerteza regressou em força durante o mês de Outubro, alimentado pela subida do preço da energia e pelos problemas nas cadeias de produção resultantes do encarecimento dos transportes. O resultado prático destas mudanças foi reavivar, sobretudo nas economias avançadas, o receio do regresso da inflação.

Mostrando-se atento à situação, Jerome Powell, governador da Fed americana, voltou a deixar no ar a possibilidade de ir retirando o seu programa de quantitative easing, o que, a suceder, alastrará necessariamente à Europa, por força do grau de integração entre estas duas economias.

Ainda numa conjuntura de recuperação dos efeitos económicos da pandemia, em que o PIB de 2021 parece vir a ficar aquém dos valores registados em 2019, que margem de manobra terão os governadores dos bancos centrais destas duas grandes áreas para infletir a política monetária que tem vindo a ser praticada?

Em Portugal, por exemplo, uma subida das taxas de juro seria extremamente perniciosa quer para os rendimentos das famílias, que viram terminar as moratórias de crédito há bem pouco tempo, quer sobre a atividade das empresas, muito dependentes do crédito para a sua gestão corrente.

Nas circunstâncias atuais, em que a oferta representa o lado curto da economia – pense-se no limite à produção de barris de crude acordada pela OPEP, ou nos problemas de cartelização dos transportes marítimos em três grandes consórcios – é sabido que políticas como a monetária, que atuam do lado da procura, não serão apropriadas, implicando escolher entre o controlo da inflação e o estímulo da atividade económica e do emprego.

Na zona euro, em particular, uma contração monetária visando a inflação afetará uma realidade que permanece significativamente assimétrica – a inflação de outubro, de 4,1%, reflete a média entre uma inflação de 1,8% em Portugal e de 4,6% na Alemanha (Eurostat).

Com planos de investimento europeus em cima da mesa, pode surgir a tentação de propor uma atuação de tipo policy mix, direcionando a política monetária para o controlo da inflação e a política orçamental e fiscal para a resposta às especificidades nacionais e locais. A possibilidade de aumentar as taxas de juro de referência é, ainda assim, bastante problemática.

A este respeito vale a pena lembrar as declarações de Klaus Regling, diretor executivo do Mecanismo Europeu de Estabilidade, numa entrevista recente à “Der Spiegel”, sugerindo a flexibilização das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento – que ele próprio ajudou a negociar –, por considerá-las desajustadas à situação que se vive atualmente na zona euro.

Nesta entrevista, Redling foi muito contundente quanto à necessidade de manter as taxas de juro baixas, uma advertência para que o BCE não regresse a uma política cega de controlo da inflação. A política monetária tem sido o grande sustentáculo da política económica europeia, garantindo a sustentabilidade orçamental e fiscal, enquanto assegura a estabilidade financeira.

Subir as taxas de juro de referência para responder a um episódio de ajustamento temporário, a que a ação de carteis, num quadro internacional de desregulamentação, não é alheia, é um dos maiores erros que os dirigentes de política económica poderiam cometer nesta conjuntura, comprometendo o que a custo se está ainda a tentar reparar.

Os responsáveis nacionais e internacionais parecem ter tido até agora este discernimento. Esperamos que se mantenham impermeáveis à pressão dos novos kamikazes.