Já é evidente que as previsões para a inflação que estão contidas no Orçamento do Estado para 2022 estão desfasadas da realidade. O Ministério das Finanças estará também perfeitamente consciente da situação, mas prefere não rever o documento. Porquê?

Quem acompanha os números mais de perto sabe desde março que a previsão governamental de 3,7% para a inflação média este ano seria muito difícil de se concretizar.

Agora, depois de conhecida a estimativa para maio, isso tornou-se ainda mais claro. Se os preços simplesmente estabilizassem até ao final do ano, o que é possível mas improvável, a inflação média seria de 6,7% em 2022. O mesmo aconteceria se a evolução dos preços nos próximos sete meses fosse semelhante à média do que tem sucedido desde o início do euro, em 1999. Mesmo que a guerra termine ou que se verifique uma desaceleração económica, dificilmente a inflação média fechará o ano abaixo de 7%.

O Governo escolheu não rever as contas do OE 2022 e podemos especular os motivos. A parte da receita fiscal ligada aos preços correntes, como o IVA e o ISP, virá inflacionada, não sendo acompanhada em grande parte das rubricas de despesa pública. Por outro lado, o stock da dívida pública “custa” cerca de 2% em média, pelo que a taxa de juro real que o Tesouro irá pagar será negativa em pelo menos 4,5%, num ano em que o crescimento económico deverá ser robusto e com emprego em alta, portanto diminuindo a despesa com prestações sociais.

Tudo isto dará ao Governo uma considerável margem de manobra orçamental, que poderá ser utilizada para reduzir a dívida pública (cenário mais desejável) ou para fazer alguns “brilharetes” mais ou menos mediáticos. Mas o próximo ano deverá ser mais complicado: a economia deverá desacelerar, as taxas de juro reais subirão e a despesa pública em salários deverá aumentar tendo em conta a inflação de 2022 – provavelmente superior à de 2023 – mas a receita fiscal não deverá subir ao mesmo ritmo. Por isso é que, este ano, o Estado deveria aproveitar para tentar dever menos.