Percorrido já quase um quinto do século XXI, encontramo-nos em 2019 numa fase de assinalável turbulência. O “admirável mundo novo” em que vivemos é, sob muitos aspetos, bem diferente do que conhecemos há 50 ou mesmo 20 anos. Depois de uma rapidíssima difusão das tecnologias de informação e comunicação, estamos agora no turbilhão da transformação digital, com a inteligência artificial no posto de comando de uma intensa “destruição criativa” de cariz schumpeteriano.

Em paralelo, também no campo das ciências da vida e dos cuidados de saúde, novos cenários estão a impor-se, antevendo-se ainda, para além de um forte ajustamento da oferta e procura energéticas, a emergência de significativo número de tecnologias destinadas a mitigar e absorver as externalidades da mudança climática.

Uma novidade nesta conjuntura é o facto de os EUA estarem a perder o comando em muitas das áreas tecnológicas emergentes, sendo que, ao contrário do que se poderia esperar há poucas décadas, a maioria dos candidatos a novos líderes tecnológicos não vem do Japão, França ou Alemanha mas sim, como se sabe, da China e regiões adjacentes. A confirmar esta tendência, um estudo da editora holandesa Elsevier e da agência noticiosa japonesa Nikkei, publicado a 6 de janeiro de 2019, revelava, com base num total de 17,2 milhões de documentos científicos de 2013-18 que, em 23 dos 30 domínios mais dinâmicos de investigação com aplicação tecnológica evidente, a China produziu mais artigos científicos de alto impacto que os EUA.

Interessa saber, neste novo mundo, qual o nosso lugar. No capítulo de “conclusões” do livro “A Inovação em Portugal” que escrevi para a Fundação Francisco Manuel dos Santos em 2014, afirmava que “o país registou importantes avanços ao longo das últimas décadas, tendo constituído e consolidado capacidades críticas em certos domínios, mas paralelamente em muitos outros domínios os desempenhos aproximam-nos mais de economias com níveis de desenvolvimento intermédio que dos países de economia mais desenvolvida”.

Depois de assinalar uma série de áreas nas quais se tinham registado avanços, acrescentava: “quando se procura aferir o posicionamento em indicadores relacionados com inovação junto à fronteira do conhecimento […] o quadro que se apresenta é de um acentuado desfasamento em comparação com as economias que lideram nesta matéria. Esta situação é reveladora de uma […] dificuldade de as empresas e outras organizações incorporarem nas suas estratégias inovações concebidas e desenvolvidas por elas próprias […] enquanto argumento fulcral do seu posicionamento competitivo”.

Há que perguntar, passados cinco anos sobre a publicação de “A Inovação em Portugal”, como nos encontramos, particularmente tendo em conta a turbulência global registada. Concretamente, interessa saber se as empresas portuguesas foram capazes de integrar a inovação de forma mais consequente nas suas estratégias e se, enquanto país, melhorámos ou não a nossa competitividade tecnológica relativa.

Num ensaio com a dimensão do presente, não é possível, como se entende, realizar um balanço sistemático, cobrindo todas as vertentes relevantes. Por essa razão, para responder às perguntas do parágrafo precedente, irei concentrar-me sobretudo numa área crítica em termos de afirmação económica futura, a Propriedade Industrial.

Em 2008 o número de pedidos de proteção de invenções com origem em Portugal apresentados no Instituto Europeu de Patentes (IEP) era de 127; passada uma década, em 2017, o valor correspondente mais que duplicara, com 272 pedidos. Em termos dinâmicos, com uma taxa média de crescimento anual de 7,9%, acima dos 3,2% verificados para o total de pedidos IEP no mesmo período, este poderá ser considerado um desempenho razoável. Porém, se compararmos com dois outros países europeus de população análoga, a Suécia e a Suíça, verificamos que os pedidos destes dois países estão noutro patamar, com respetivamente 8.838 e 4.924 em 2017.

É evidente que estes países têm um PIB superior ao português e o seu investimento em I&D é também maior. Poder-se-á também argumentar que a sua estrutura de especialização é diversa da portuguesa. Ainda assim, mesmo “controlando” para estes outros aspetos, o desempenho português continua vários degraus abaixo e, atendendo à taxa de crescimento verificada, uma possível paridade ocorrerá em futuro longínquo. A referir que no mesmo período, os pedidos de proteção IEP vindos da China cresceram a 22,8% ao ano, alcançando 50.517 em 2017, o que corresponde a um valor per capita superior ao nosso e a um diferencial ainda maior se os valores forem relativizados pelo PIB ou I&D.

Observando os pedidos ou concessões de patentes noutras geografias, a história não é muito diferente. No USPTO, o escritório que desempenha nos EUA função similar ao IEP, a China tem desempenho idêntico, com Portugal seguindo trajetória semelhante à verificada no IEP, embora os pedidos de patentes oriundos do nosso país sejam, como seria de esperar, em quantidade um pouco inferior.

Para concluir a referência a pedidos de proteção de invenções, vale a pena observar o que se está passar internamente. Os pedidos entrados em 2017 no INPI, a entidade gestora da Propriedade Industrial em Portugal, alcançaram um valor de 846 (501 PPP – Pedidos Provisórios de Patentes, 162 Patentes, 93 Modelos de Utilidade). Esse número é superior aos 572 pedidos totais de 2008. Nesse ano foram utilizados pela primeira vez os PPP, criados com o objetivo de incentivar o uso de patentes.

O cenário mais recente, porém, não aponta no sentido de se inferir que os PPP alcançaram o seu objetivo. Na verdade, os valores totais de pedidos de proteção de invenção em Portugal têm estado em quebra (846 em 2017, 939 em 2016, 1.178 em 2015), evolução inexplicável tanto mais que se está a verificar a contraciclo. Acresce que as conversões dos PPP em pedidos efetivos de patente e correspondentes níveis de internacionalização permanecem modestos, como foi demonstrado numa tese de mestrado sobre os PPP, defendida pela aluna Susana Armário no ISEG já em 2019.

Sabemos que as patentes não são muito bem aceites como indicador das dinâmicas de inovação, sendo objeto de várias críticas. Por essa razão, os estudos de inovação procuraram identificar indicadores alternativos. Curiosamente, um dos indicadores de inovação que mais “cresceu” nos últimos anos, coincide com outra modalidade de propriedade industrial, as Marcas Comerciais – novos registos de marcas são vistos como um indicador que reflete aspetos não tecnológicos da inovação, bem como tentativas de diferenciação do produto, tanto por empresas industriais como de serviços.

Neste domínio, pelo menos tendo em conta os pedidos feitos junto do INPI, a situação portuguesa é bem mais confortável que para as patentes. Em 2017 houve um total de 22.523 pedidos de “marcas e outros sinais distintivos do comércio”. A assinalar que, por exemplo, nos EUA, pedidos de marcas e patentes são em número similar, mas em Portugal por cada pedido de proteção de invenção existem mais de 25 pedidos de proteção de marcas.

Porém, apesar deste predomínio das marcas, também nesta modalidade de Propriedade Industrial verificamos debilidades. O número de registo de Marcas da União Europeia com origem em Portugal, válidas em todo o espaço da UE, foi de 1.538 em 2018. Portugal permanece sem nenhuma marca com alcance verdadeiramente global, não constando nenhuma marca de origem portuguesa nos principais rankings de marcas. No Interbrand 2017, a Zara surge em 24º lugar, avaliada em 18.573 milhões de dólares. No brandZ 2017, a mesma marca espanhola surge em 34º lugar, avaliada em 25.135 milhões de dólares.

É relevante, no âmbito da reflexão proposta neste ensaio, considerar ainda uma terceira modalidade de Propriedade Industrial, os desenhos industriais. Seria de esperar um desempenho notável nesta modalidade, tendo em conta a prevalência das indústrias da moda e criativas, incluindo o calçado, o vestuário e as cerâmicas. Tal não se verifica: o número de Designs Comunitários Registados por portugueses, 937 em 2018, não é superior ao das Marcas da UE.

Neste âmbito, há ainda que considerar a pertinência das críticas dirigidas não só às patentes, mas em geral à Propriedade Industrial enquanto instrumento de política de incentivo à inovação. Porém, e ao que se sabe, Portugal não regista qualquer dinâmica particularmente notável ao nível de alternativas à Propriedade Industrial convencional, por exemplo nas licenças open source ou noutros modelos de incentivo à inovação, incluindo a atribuição de prémios e o uso de mecanismos similares a leilões para invenções.

Genericamente, tendo em conta o panorama observado, pode-se dizer que o país se mantém um pouco ao lado das dinâmicas centrais de invenção e criatividade a nível mundial, pelo menos no que concerne à inovação com impacto nos mercados globais. Esta afirmação não significa que não existam casos notáveis de inovação empresarial, ou mesmo em ambiente académico, mas o que se pode afirmar é que esses casos não adquiriram expressão sistémica.

Esta fraca integração da inovação de primeira linha das estratégias das organizações decorre de debilidades estruturais e inércias antigas, mas também de erros de política pública. O mais grave deles consistiu na transferência do INPI da esfera do Ministério da Economia para a do Ministério da Justiça. Não está aqui em causa a qualidade das tutelas, mas sim o equívoco de perspetiva estratégica. Assinalei esta circunstância num artigo de opinião publicado a 5 de abril de 2006, sob o título “Darwinismo institucional”.

Não estou absolutamente certo se a permanência do INPI na dependência do Ministério da Economia teria produzido um resultado melhor. Mas tenho a certeza é que esta leviandade institucional, é reveladora da falta de consequência estratégica das nossas políticas públicas. Aqui, sem dúvida, temos imenso para aprender com os chineses.