Está nos livros. A inspeção é obrigatória. Por norma de quatro em quatro anos. A menos que o estado da máquina implique a antecipação. Não vai ser o caso, malgrado o desgaste de algumas peças já ser notório.

A um ano da inspeção, o condutor e a sua equipa preparam a revisão final. Uma afinação que garanta mais uns anos na estrada. Uma missão que não se afigura fácil, apesar de as sondagens soprarem de feição. A regra quase habitual.

Em primeiro lugar, o responsável pelo isolamento sonoro da geringonça está demissionário. Logo ele que tinha feito um trabalho tão primoroso. A insonorização ficou perfeita. Não se ouvia o mínimo barulho vindo da rua. A geringonça até podia circular de vidros abertos.

Depois, o responsável pelas verificações técnicas está ambicioso. Já não lhe basta passar o tempo a debitar números e opiniões na comunicação social. Quer mais. Exige participar no alinhamento da direção. Considera que dá algumas guinadas na direção errada. Pretende controlar os faróis. Acha que estão demasiado baixos. É necessário aumentar o alcance dos máximos. Deseja rever o funcionamento dos piscas. Julga que as intermitências são demasiado prolongadas. Um ror de exigências ainda que feitas em voz melodiosa. Até parece que é o dono da geringonça.

O condutor anda aflito. Para acolher estas alterações precisa de despedir mecânicos da sua equipa. Ou, pelo menos, de os desautorizar. Algo que não convém fazer. Ser condutor tem destas limitações.

Quanto à equipa não está demasiado preocupada. Afinal, o condutor da engenhoca concorrente ainda anda a tirar a carta de pesados. O bom desempenho enquanto condutor de ligeiros pode não ser suficiente. Agora a maquineta é bem maior. E a sua co-piloto, graças ao mediatismo consentido, quer perceber como pode passar da carta de mota para a de pesados dispensando a de ligeiros. Por isso, a engenhoca fica na garagem. Será cada um por si.

Um descanso para a equipa a quem nem a revolta e ambição dos aliados incomoda. Aliás, já há elementos a falar de uma oficina segura. Funciona ali para os lados do Largo do Rato. Gente capaz de fazer todos os serviços necessários.

Houve, até, quem lembrasse o condutor de um pormenor. Algo que pode vir a ser um pormaior. Dois cartazes guardados na arrecadação.

Um deles a gritar: Quem se mete com a geringonça leva! Ainda podia fazer um figurão no capô. O autor do autocolante já garantiu que a mensagem continua válida. Basta olhar para os exemplos do próprio. Do autor, naturalmente.

O outro a aconselhar: Habituem-se! Esse podia ir para o tejadilho. Ou talvez para o vidro de trás. Um lugar mais adequado. Para ser lido por quem circula atrás.

O condutor recusou o primeiro. Não se coadunava com o sorriso. Podia pôr em risco o segundo. Esse sim, com rodas para andar.

A equipa respirou de alívio. Ninguém fez questão de lembrar que o autocolante estava desbotado, encarquilhado e podia já não justificar o nome. Nas festas não se fala de tristezas! A revisão vai ser agendada. Para o Largo do Rato. Em segredo.