A política portuguesa ficou marcada pelo discurso de Marcelo Rebelo de Sousa na tomada de posse do Governo. Ali avisou que, face à maioria absoluta obtida e desejada para ter a força suficiente para fazer as reformas desejadas, não ficaria bem a António Costa sair para um cargo internacional a meio do mandato.
A premissa do discurso é que pode estar errada. O foco de instabilidade, a racha na sólida maioria parlamentar, não advém de uma possível saída de Costa em 2024 para um cargo europeu, quando ainda se desconhece o resultado das eleições europeias nesse ano e qual o bloco – socialistas ou partido popular europeu – que sairá vencedor das mesmas.
Logo, a presidência da Comissão Europeia não é garantida e o cargo que ficará disponível a posteriori – o de presidente do Conselho Europeu – pode ser alcançado após o termo da legislatura em 2026. Portanto, Marcelo voltou aos seus tempos geniais de criador de factos políticos no “Expresso”, mas de difícil concretização.
Depois, Costa não é Durão Barroso e o ocorrido em 2004 nada tem a ver com a actualidade. Enquanto agora o PS tem uma maioria absoluta, há 20 anos, o então primeiro-ministro tinha uma maioria parlamentar com o CDS. Contudo, tinha tido um resultado medíocre nas eleições europeias de Junho e a contestação ao Governo era uma realidade insofismável. E assim, Barroso, com a conivência dos países que ele recebeu como mordomo da vergonhosa cimeira das Lajes, decidiu, à primeira oportunidade, saltar para o cargo internacional antes que o “zeitgeist” português o queimasse.
É minha opinião, já expressa no podcast “Maquiavel para Principiantes”, aqui no Jornal Económico, que a premissa de instabilidade governativa que possa desmoronar uma maioria absoluta parlamentar, que coloca o eixo do nosso regime semipresidencialista em São Bento, aparecerá no dia em que António Costa anunciar que não será uma vez mais candidato a primeiro-ministro e líder do PS em 2026.
Aí, será o momento da afirmação dos jovens lobos do PS, o evidenciar das naturais ambições, porém, todos esses nomes pós-Costa estão no Governo e poderá ser evidente que o mesmo deixará de funcionar com coesão porque haverá eleições no PS e a conquista do poder interno para alguns deles levará a uma guerra dentro do próprio Executivo. Aí, Belém não pode fechar os olhos e terá de intervir.
PS: Marcelo Rebelo de Sousa, em sprint, vai enviar um convite para Kiev para Zelensky falar ao parlamento português. Já viram o que seria se o líder ucraniano dissesse assim: “Portugal já deu mundos ao mundo no tempo dos Descobrimentos, mas agora não espero nada de vocês. Há anos que andam a julgar Ricardo Salgado, Berardo, Vieira, Zeinal Bava, Aprígio Santos e até o ‘assunto’ António Mexia desapareceu e nunca mais se falou dele. Se demorarem tanto tempo a apoiar a Ucrânia como o tempo da vossa Justiça de terceiro mundo, muito obrigado mas os ucranianos vão esperar sentados”.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.