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A inutilidade do “voto útil”

O apelo recorrente ao “voto útil”, que levava muitos a optar por um “mal menor”, tinha como base de sustentação a estabilidade política. Ora, olhando exemplos como o holandês, ou o alemão, fica claro que possíveis instabilidades políticas, sociais ou económicas não resultam de arranjos parlamentares, mas de possíveis atitudes e decisões de quem está na política.
14 Agosto 2018, 12h33

Os últimos tempos da democracia portuguesa têm sido muito interessantes. Não só nos meses mais recentes, com acordos entre PS e PSD e as reacções urticárias dos parceiros de geringonça, nem apenas com os amuos e arrufos insistentes nos preliminares para o Orçamento do Estado, mas principalmente desde as últimas eleições legislativas.

Embora alguns tenham demorado a digerir os resultados de outubro de 2015, ficou claro que no nosso sistema eleitoral não governa necessariamente quem ficou em primeiro. Em Portugal, com os círculos eleitorais que temos, é de uma maioria parlamentar e não necessariamente eleitoral que emana um Governo.

Alguns, talvez por excesso de acompanhamento das realidades americana e britânica, não tinham ainda compreendido esta possibilidade. Mas como se costuma dizer, é a vida, é a democracia. Temos agora uma realidade política, parlamentar e governamental mais em linha com a maioria das realidades europeias.

Olharam, por exemplo, para a realidade dinamarquesa? O atual primeiro-ministro ficou em terceiro lugar nas eleições. É certo que tal se deve à especificidade de os partidos na Dinamarca, embora concorram individualmente, se apresentarem em “blocos” (o vermelho e o azul). No total existem 13 partidos representados no Parlamento. Quatro apoiam o Governo constituído.

Na Holanda, em ambas câmaras, existem 11 partidos representados, além dos deputados independentes. Na Bélgica, são 12 os partidos. O Parlamento italiano, sempre complexo, se não erro, tem atualmente sete e na legislatura anterior tinha 12. O grego, nove.

Também existem diversos exemplos de parlamentos com representatividade igual à nossa Assembleia da República, que desde as últimas legislativas, com a entrada do PAN, conta com sete partidos ali representados.

O que quero concluir com isto? Que a solução conhecida como geringonça demonstra, desde as últimas legislativas, a inutilidade do “voto útil”.

O apelo recorrente ao “voto útil”, que levava muitos a optar por um “mal menor”, tinha como base de sustentação a estabilidade política. Ora, olhando exemplos já referidos, como o holandês, ou o alemão, fica claro que possíveis instabilidades políticas, sociais ou económicas não resultam de arranjos parlamentares, mas de possíveis atitudes e decisões de quem está na política. Não se conhecem fortes instabilidades sociais ou económicas derivadas de negociações governamentais na Holanda ou Alemanha. Ou, para dar um exemplo mais extremo, a Bélgica, que em 2010-2011 esteve 541 dias sem Governo e sem deixar de ver a economia crescer.

Portugal caminha para eleições no próximo ano e, apesar de possíveis concordâncias ou discordâncias (eu estou no campo das discordâncias) com as decisões do Governo e dos partidos que sustentam a atual solução, aquilo que nesta legislatura ficou claro para todos, apoiantes ou não da geringonça, é que nas próximas eleições podem votar no partido e no programa que verdadeiramente preferirem.

As últimas eleições deixaram claro que o chamado “voto útil” pode ser inútil. Isto só pode ser entendido como uma normalização do nosso sistema democrático. Úteis temos que ser todos, na nossa participação cívica, e não no mero ato votar. O voto deve ser convicto e não se limitar à colocação de uma cruz num qualquer “mal menor”. O voto, para ser mesmo útil, exige afinidade e convicção.

Há quem esteja num partido e molde as suas ideias em consonância com essa opção. Eu estou num estágio de vida em que, por ter ideias firmes, aderi a um partido, a Iniciativa Liberal. É o sentido inverso. E logo para um partido novo, que tem pela frente um caminho de afirmação.

Um caminho que deve dar primazia ao longo prazo, com noção de que se iniciou uma maratona, evitando acelerações de conveniência e taticismos, que tornam para muitos o exercício da política em permanentes corridas de velocidade.

Um caminho de perseverança, irreverente, mas responsável. Que demonstre diferenças face aos atuais atores do sistema, afirmando seriedade nos objetivos e sabendo explicar porque são necessárias as reformas que a sociedade portuguesa exige.

Podemos ser, em simultâneo, rebeldes e responsáveis. Ser liberal, no Portugal do século XXI, é isto também.

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