Portugal tem sido poupado à deriva populista e radical de direita em franco crescimento nas democracias nos últimos anos. O facto de o país ser uma nação antiga e una, que torna o discurso nacionalista pouco atractivo e de não se debater com os choques culturais causados por uma imigração massiva, um dos motivos principais do crescimento do radicalismo noutros países, contribuem para explicar a sua quase nula implantação entre nós.

Simultaneamente, a circunstância de a revolução de 25 de Abril ter assumido uma matriz esquerdista anulou a legitimidade e a oportunidade de tal sensibilidade política medrar no imediato, tendo sido rapidamente neutralizadas as tentativas de formação das forças partidárias que a representavam.

Porém, a dissolução dos partidos da direita musculada e a prisão ou o exílio dos que nela militavam, se justificam a sua quase extinção no período revolucionário, período em que a estrutura partidária ainda hoje existente se formou, não explicam a incapacidade posterior de se reorganizar.

A fraca expressão da direita radical em Portugal justifica-se, assim, em boa medida, pela cultura política da direita portuguesa bem como pelo seu percurso desde a década de 60. De facto, pode dizer-se que a direita nacional é historicamente conservadora e democrática por evolução e adaptação.

O seu conservadorismo, de marcada raiz católica, torna-a avessa, por princípio, a soluções polarizadas, à retórica agressiva, ao fomento de divisões profundas na sociedade e à agitação das massas. A relevância que reconhece à paz e à ordem sociais, fê-la, inclusivamente, aceitar de bom grado, no passado, a supressão das liberdades políticas.

O Estado Novo, apesar de ter caído na tentação fascizante na década de 30, foi um regime eminentemene conservador, tendo no pós-guerra reduzido à irrelevância as instituições de doutrinação política e de arregimentação popular, não apenas por denunciarem afinidades inconvenientes com os regimes vencidos em 1945, mas porque contrárias à feição conservadora de Salazar e de boa parte da sua base social de apoio.

A despolitização, promovida mesmo entre as fileiras do regime, justificaria, assim, a debilidade posterior das suas franjas radicais. Em suma, o salazarismo não silenciou apenas as oposições, mas decapitou também o radicalismo de direita.

Se a tradição conservadora explica, em parte, a pouca adesão ao radicalismo, o percurso do campo político da direita nos anos 60 contribuiu de igual modo para que aquela perdesse decisivamente a batalha das ideias para uma direita reformadora e crescentemente convicta da necessidade de liberalização política.

Tal como a direita espanhola, que, segundo o historiador González Cuevas viveu então uma “crise epistemológica”, fruto do questionamento da legitimidade do autoritarismo como forma de exercício do poder na Europa do pós-guerra, em que a direita aceitara a democracia e nela se integrara, bem como da abertura introduzida pelo Concílio Vaticano II, muitos na direita portuguesa foram intelectualmente confrontados com semelhante dilema.

Como testemunhou na sua biografia Augusto Ataíde, subsecretário de Estado no governo de Marcello Caetano, os anos 60 foram decisivos para as novas gerações da direita, produzindo uma reconstrução do “seu sistema de convicções”, que se desenrolou “lenta e silenciosamente nas profundidades de cada um”, conduzindo-os, finalmente, à conclusão de “que a única forma válida de organização política era a da democracia”.

Foi esta a direita que sobreviveu à revolução, não apenas por ser a única consentida, mas também por ser a que melhor representa os valores conservadores que, depois do último conflito mundial, se tornaram incompatíveis com formas autoritárias de poder, logrando adaptar à democracia e ao pluralismo político o povo de direita. E foi também, sem margem para dúvidas, a única capaz de contribuir de forma útil para a construção da sociedade aberta que decidimos ser.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.