As últimas semanas têm sido plenas de notícias positivas relativamente ao desenvolvimento de vacinas que prometem elevados níveis de eficácia na prevenção da pandemia e, consequentemente, uma melhoria significativa no que diz respeito às expectativas das principais economias desenvolvidas, sobretudo na Europa, onde as medidas de contenção têm vindo nos últimos meses a adensar-se novamente com a chegada do inverno. Este facto alimentou a confiança sobretudo nos mercados financeiros, que normalmente reagem e antecipam estas situações, mas que ignoram as especificidades dos casos.

A verdade é que a saída da pandemia vai ser desigual, desequilibrada e com cicatrizes mais profundas e duradouras para países mais expostos e fragilizados – que é com grande probabilidade o caso de Portugal.

Muitas das respostas da crise estão desenhadas e só falta implementar. Mas o tempo que dura até estarem colocadas no terreno abre uma janela de instabilidade económica, e sobretudo social, de que o sector do pequeno comércio e restauração são exemplo claro. A resposta nacional é curta e dificilmente chegará para todas as frentes até que chegue a resposta europeia. Uma janela temporal do diabo, onde a interação política será fundamental para manter o país socialmente coeso.

Existem duas grandes variáveis cruciais para a gestão das expectativas em Portugal em 2021:

1. Em primeiro lugar, o ciclo da vacina preventiva da Covid-19 e o tempo que esta levará a ser distribuída é ainda mais essencial. Portugal é ainda um país com menor infraestrutura de resposta clínica quando comparado com outros países europeus (4,2 camas UCI versus 11,5 de média da UE, dados de 2012), e é um dos países do euro com maior exposição direta e indireta da economia (16,5% em 2019) e do emprego (18.6% dos postos de trabalho em 2019) ao sector turístico.

Isto significa que o país sofre mais que os comparáveis europeus com as medidas de restrição de mobilidade internacionais (sobretudo nos voos turísticos), assim como pelo facto de ter menos infraestrutura de resposta, isso quer dizer que precisa mais rapidamente de criar restrições que outros países.

Nesta primeira variável, as projeções começam a indiciar que as primeiras aprovações para distribuição da vacina cheguem no final deste ano ou em 2021. Mas as limitações nos diversos estágios da produção e distribuição podem prolongar-se, e o mais provável é que a normalidade só venha já na segunda metade do próximo ano, como aliás um dos criadores da vacina da Pfizer/BioNtech declarou publicamente esta semana.

2. A segunda grande variável está relacionada com a resposta europeia, que é essencial para proteger a economia no imediato. E que promete transformar a economia nacional nas próximas décadas, reduzindo desequilíbrios estruturais e de competitividade.

Portugal, sem esta resposta, não conseguirá lidar de forma eficaz com os efeitos económicos da pandemia sem colocar em risco a solvência do Estado. Desde logo porque a pandemia exige que seja possível colocar enormes estímulos fiscais nas famílias e nos agentes económicos que não são recuperáveis, uma vez que na prática o Estado estará mais próximo de exercer o pagamento de um seguro de uma calamidade, que de estimular a atividade económica para se sair de uma crise – pelo que o retorno sobre a economia é bastante limitado.

Importa por isso que esta resposta pública seja, em boa parte, fora do perímetro exigível para o endividamento público, de forma a não comprometer o futuro, ou precipitar uma crise de credibilidade nos mercados internacionais semelhante a 2010.

Aqui, a União Europeia, depois de ter chegado a acordo para um programa em julho, tem conhecido percalços por causa da cláusula relacionada com critérios de governança do fundo, nomeadamente com a condicionalidade do Estado de Direito, que pode refrear o acesso a verbas. Países como a Hungria ou a Polónia, que foram alvo de críticas no último relatório produzido pela Comissão Europeia, vetaram esta semana a aprovação do fundo, o que significa que as negociações podem prolongar-se para além do final do ano, e que a implementação concreta pode ultrapassar o primeiro trimestre de 2021.

Da conjugação destas duas grandes variáveis percebemos que os próximos seis a oito meses podem ser de enormes desafios para os portugueses. Com dificuldades de gestão dos elevados níveis de contágio durante os meses de inverno, sem a dinamização da atividade turística e com as ajudas europeias ainda atrasadas, o Estado contará com a capacidade de resposta nacional para conter os efeitos sociais nas famílias e empresas, sobretudo as de menor dimensão.

Aqui o cenário está longe de ser animador. A resposta fiscal de emergência para a pandemia representa cerca de 2,5% do PIB nacional, que corresponde a um valor que vai exigir um complexo equilíbrio orçamental, sobretudo quando comparado com outros países da União Europeia, com menor dependência de sectores como o turismo – a média das respostas nos países da UE anda nos 4,3% do PIB, e aqui ao lado, em Espanha, será de 7,3% do PIB, só a título de exemplo.

A limitada falta de capacidade de resposta face às restantes economias europeias também se explica pelo menor ímpeto reformista e pela ilusória gestão orçamental do Estado nos últimos mandatos, onde no fundamental prevalecem muitas das fragilidades estruturais – mantidos a coberto por dividendos do Banco de Portugal, ou sobre o manto das taxas de juro extraordinariamente baixas – e que agora, por infortúnio, vêm ao de cima.

Neste complexo contexto, a mensagem política e a capacidade de dialogar, no sentido de gerar equilíbrios, será crucial para manter a coesão social do país nos próximos seis a oito meses, que poderão ser marcados por várias tensões.

É verdade que muitas das limitações que o executivo aponta são reais. Mas a criação de expectativas e gestão da relação em momentos de tensão, como o que verificámos no caso da restauração, deve ser feita com menos narrativa e maior franqueza, quanto ao que foi durante vários anos percecionado como o milagre orçamental português. Que não existe de facto na extensão do que nos foi vendido. Caso contrário, não teríamos, obviamente, tão reduzida capacidade de resposta do Estado às sequelas da pandemia.