[weglot_switcher]

“A legislação está muito atrás” em relação à cadeia alimentar

O Jornal Económico assinala o Dia Mundial da Alimentação com a conferência “Alimentar o Futuro”. O evento conta com o apoio da Vieira de Almeida & Associados (VdA).
16 Outubro 2019, 13h53

Corroborando a ideia de que “cada um tem o seu futuro”, deixado por Jorge Portugal, diretor Geral da Cotec na abertura da conferência “Alimentar o Futuro”, José Lima Santos, professor do Instituto Superior de Agronomia, pela perspetiva da economia, não tem dúvidas de que existem vários motores da mudança económica em curso, mas em seu entender, um dos principais motores, “talvez o mais decisivo, é o preço”.

Para o especialista, particularmente desde 2008, os preços do mercado, ditam o desenvolvimento futuro, num contexto que considera assentar essencialmente por dois drivers, designadamente as alterações climáticas e a China.

Sobre as alterações  climáticas, afirma que as condições globais vão piorar e vão tendo efeitos imediatos, particularmente nos mercados: “há uma grande pressão e os mercados reagem a esta pressão, condicionando o futuro que conta com o grande contributo da tecnologia que vem ajudar muito mas não alivia este peso”.

Por outro lado, a China, “enquanto nação deficitária, em termos de alimentação, vai condicionar todo o contexto mundial”, defende José Lima Santos, acrescentando que neste cenário também o Brasil poderá assumir um papel preponderante. Considerando que o futuro vai forçar a substituição do alimento de origem animal pela química, na certeza de que é muito mais eficiente, assegura que não teremos capacidade de ingerir produtos de origem animal tal como o temos hoje.

As alterações climáticas mas também a pressão da neutralidade carbónica, a atingir até 2050 em Portugal, mereceu especial atenção nesta conferência por parte de Sofia Santos, economista e professora universitária. Reforçando que o resto do mundo foi desafiado a antecipar (antes de chegarmos a meio deste século) a atingir a neutralidade carbónica, a especialista está igualmente de acordo com a afirmação dos “diferentes futuros para cada um de nós”, defende que todos, em cada setor, temos que ceder um pouco. Uma cedência também nos hábitos alimentares, sempre com o objetivo de nos adaptarmos:”temos de mudar e saber qual é o nível de alimentos que necessitamos verdadeiramente”, salienta.

Para Sofia Santos, para além das políticas e dos modelos adotados, “é no ato da decisão que tudo se concretiza, muito para além dos preços ou dos impostos”, sendo tudo condicionado pela extrema necessidade da alimentação, que pesa até no tipo de alimentação e em todas as escolhas inerentes.

Recordando que a UE tem vindo a sublinhar a necessidade de duplicar a produção, a especialista salienta que os próprios solos podem não permitir concretizar esta meta de mais 50% por alcançar. Assim, defende uma produção mais local, mais orgânica e biológica. “A alimentação química é inevitável mas visualizar o futuro com a componente local pode ser o caminho, potenciando todos os processos, inclusive potenciar o desenvolvimento das comunidades.

Uma última nota para uma questão de fundo: a fome. Com o aumento da população, pesa cada vez mais a urgência de não deixar que os números aumentem. “É fundamental não só produzir mas fazê-lo conseguindo um equilíbrio planetário e de forma a diminuir a fome. A tecnologia e bem estar não podem ser o centro, se esquecemos a dimensão da fome no mundo”, conclui.

Legislação: sustentabilidade é a palavra chave

O dossier da legislação nacional e europeia também foi trazido a este debate. Segundo Catarina Pinto Correia, advogada, sócia da VdA, importa reter que todas as políticas setoriais que têm vindo a ser desenhadas, tanto em Portugal como na Europa, têm como fio condutor os 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável nas Nações Unidas. Estas linhas orientadoras “são muito importantes para este debate porque estão intimamente ligadas à sustentabilidade da alimentação, dos produtos e ainda ao bem estar humano, eficiência dos recurso e proteção da vida, aspetos que fazem a base das políticas europeias e mundiais”, reforça Catarina Pinto Correia.

Alertando para os problemas centrais como a necessidade de aumento da produção atendendo ao aumento populacional execional até 2050, bem como a subnutrição, ou o facto de em cada 8 pessoas 1 ser obesa, recorda as análises feitas pelo World Economic Forum, que apontam para a elaboração de políticas centradas na quantidade, mas também na qualidade e na eficiência dos recursos naturais, que têm de ser denominadores comuns na legislação europeia.

E em matéria de qualidade, alerta desde logo, para a premência da educação para a qualidade, assente na produção e no consumo responsável.Assim, o futuro passa por uma alimentação mais ecológica em toda a cadeia, com menos proteína animal, numa realidade que terá de ter o apoio de incentivos, via legislação, potenciando a proximidade entre produção e consumo, visando combater o desperdício.

A especialista sublinhou ainda a nova diretiva europeia para a alimentação biológica, a qual alarga a lista dos alimentos e ainda trata do ponto de vista da certificação, da produção e o seu aumento, abarcando ainda o controlo da produção, distribuição e comercialização.

Certa de que a inovação e a tecnologia têm reflexos nas políticas e na proteção que trazem a todos os passos da cadeia alimentar, importa também reter que acrescem, quer seja na introdução da tecnologia ou nos processos de investigação, novos problemas jurídicos, nomeadamente “a proteção de dados, direitos e patentes, ou registo de marcas e afins, como por exemplo, em situações como o uso do drone na agricultura de precisão”, detalha a advogada.

Uma nota final para o esforço desenvolvido pela UE e pelas Nações Unidas no sentido de regulamentar e incentivar estas matérias: “não tenho dúvidas, e sem colocar em causa se funcionará melhor proibindo ou não, porque teremos sempre de ter em conta as liberdades individuais, que toda a legislação já produzida não é suficiente, estou certa de que estamos muito atrás em termos legislativos”. E se o objetivo é mudar, a fundo, “importa começar desde logo pelas compras públicas, destinando apoios às políticas de cada Estado”, conclui.

Além de constituir uma oportunidade para debater e refletir sobre uma temática cada vez relevante para o futuro do planeta, o encontro foi o tiro de partida para a edição deste ano dos Food & Nutrition Awards (FNA). Estes prémios contam agora com o Jornal Económico na sua organização, em conjunto com a Sustainable Society Iniciative (SSI) e as entidades representativas de vários setores, que compõem o Executive Board – AHRESP, APED, CAP, FIPA e Portugal Foods. O período de candidaturas já teve início e a cerimónia de entrega dos prémios deverá ter lugar em janeiro.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.