Ao ler jornais generalistas ou revistas especializadas em recursos humanos é cada vez mais frequente depararmo-nos com os seguintes temas: “A felicidade no trabalho vale dinheiro” ou “Trabalhadores mais felizes são mais produtivos”.

Não irei, naturalmente, discordar da implementação de ações que possam aumentar o bem-estar das pessoas no seu contexto de trabalho, no entanto, não haverá uma perniciosa inversão de prioridades na forma como estes (e outros) temas estão a ser abordados? Devemos pensar o bem-estar das pessoas como um instrumento para atingir o aumento da rentabilidade?

Note-se que também não tenho nada contra a rentabilidade, muito pelo contrário, o que estou a questionar é a centralidade absoluta que a rentabilidade assumiu na teoria económica e, neste caso concreto, na economia do trabalho.

Falar do “mercado de trabalho” não é apenas falar de mais um mercado entre mil outros mercados. A importância que o trabalho tem na construção e na afirmação da identidade da pessoa e dos laços sociais implica que falar de trabalho seja equivalente a falar sobre o papel atribuído às pessoas na teoria económica.

Na corrente de pensamento económico atualmente dominante, a determinação dos salários é vista como a determinação de qualquer outro preço de equilíbrio de uma mercadoria, o resultado de um encontro assético entre a procura e a oferta que está totalmente desligado da avaliação das necessidades dos trabalhadores. A determinação do salário é uma questão técnica, determinada matematicamente, função da produtividade do fator.

O conceito de salário natural, valor que garante a subsistência dos trabalhadores e que existia no pensamento económico clássico, desapareceu. Também o papel da história, das instituições, do contexto e das relações humanas parece ter sido relegado para segundo plano em prol da análise das “leis” de funcionamento do mercado.

A Economia enquanto ciência parece ambicionar à existência de “leis de mercado” tal como existe a lei da gravidade na Física. A Economia pretende, desta forma, apresentar-se como politicamente neutra (e, logo, mais “científica”) pois o salário é determinado por “leis” que governam os mercados.

Se um vaso cair do parapeito de uma janela, atingindo um inocente transeunte que passava, ninguém ousará culpar a lei da gravidade pelo sucedido ou perguntar a um físico se esta “atuação” da lei da gravidade foi ética. Também quando o salário de equilíbrio não é suficiente para garantir a subsistência do trabalhador e da sua família não podemos culpar a “lei do mercado” nem perguntar a um economista se esta situação é ética… Ou será que podemos?

Parece-me que podemos e devemos. A desvalorização das considerações éticas e a não discussão aprofundada destes dilemas no seio da própria teoria económica atual pode levar a um desapego (inconsciente para alguns e consciente para outros) face às pessoas excluídas, exclusão essa que pode ser criada pelo próprio funcionamento do mercado.

Os desafios atualmente colocados à Economia obrigam a uma reflexão profunda sobre os seus fundamentos e sobre a sua metodologia. Nesta reflexão sobre a ciência económica, a análise das relações de trabalho adquire uma importância essencial pois trabalho e trabalhador são indissociáveis.

Por muito sedutora que pareça a ideia de que a felicidade dos trabalhadores dá dinheiro, é preciso relembrar que a Economia deve posicionar as pessoas enquanto centro e não enquanto instrumento dessa mesma ciência económica.