O chamado “escândalo da família” do Governo PS não foi denunciado pela política. Foi um assunto desenvolvido através do jornalismo, o verdadeiro, aquele que publica notícias. As declarações mais ou menos solenes dos (outros) partidos foram apenas uma consequência, uma inevitabilidade devida ao clamor público.

Sabe-se o que aconteceu, mas vale a pena recordar.

O PS, dada a extensão do fenómeno, encolheu-se pela primeira vez em toda a legislatura. Refugiou-se no silêncio, à espera de melhores dias. Mesmo Marcelo Rebelo de Sousa hesitou no caminho a seguir antes de apontar o sentido da sua vontade: a de uma – “pequena”, chama-lhe agora o Presidente – alteração legislativa que contemple o combate ao nepotismo no executivo nacional.

Estava António Costa barricado, sem saber que fazer ou dizer, quando, felizmente para ele, se deu a aparição de Cavaco Silva, batendo no peito como é seu humilde costume.

As palavras de Cavaco foram o mote para a recuperação da moral do PS. O ex-Presidente mentira e, afinal, segundo a presente narrativa, o nepotismo numa governação sempre havia sido mais ou menos assim. Como prova disso, aí estava até a magnífica memória seletiva de Marques Mendes e a enumeração das práticas familiares de vários cromos da caderneta do BPN, como Dias Loureiro.

O suspiro de alívio no Largo do Rato foi estrondoso e começou o contra-ataque, cuja eficácia bem dispensaria a presença de Carlos César, um incómodo para qualquer equipa.

Repare-se no milagre: agora é o PS quem convoca os demais para as alterações à lei – e António Costa já fala decidido! –, enquanto os restantes partidos entaramelam, perdidos nas suas contradições, nas práticas que todos conhecemos e que percorrem a administração pública de norte a sul, de este a oeste, da nacional à local, passando pelas empresas com vínculo ao Estado.

Do PSD ao PCP, não há quem esteja em condições de atirar a primeira pedra e é por isso que vamos ouvindo a ladainha relativa à ética, enquanto se empurra a bola da iniciativa legislativa para o Governo.

É aqui que estamos.

E é neste ponto que convém relembrar aos políticos – todos – uma coisa: é absolutamente extraordinário que queiram, como Rui Rio, convencer os portugueses de que a ética pode fazer as vezes da Lei. Não pode. Experimentassem entregar à ética dos condutores as estradas e auto-estradas do país e veriam o bonito número de mortes que haveria diariamente. Ou a construção civil à ética dos empreiteiros. Ou as nossas florestas à ética de quem vive da madeira. Etc., etc.

Os códigos de ética são absolutamente indispensáveis em todas as profissões como tentativa de autorregulação, e são bem-vindos. Mas uma sociedade não pode dispensar a lei, a fiscalização, a investigação, a polícia, os tribunais. É tudo isso, junto, que separa as sociedades entre aquelas que são desenvolvidas e as que pertencem ao terceiro mundo. Neste caso, seria bom que alinhássemos rapidamente com as melhores práticas.

Na vida, não há como juntarmo-nos aos melhores. É assim que  as sociedades evoluem. E é por isso que casos como este que envolve o Governo podem, afinal de contas, valer a pena. Não é para sobre ele derramar palavras hipócritas e repetidas, que cansam. É para, reconhecendo algo de mau, fazermos qualquer coisa para melhorar um poucochinho o sistema, que bem precisa.