A invasão da Ucrânia pela Federação Russa representa o estertor de um Estado falhado. Económica e demograficamente em declínio, enfrentando problemas sociais de monta, a Rússia fez uso do seu único recurso para recuperar a posição no mundo que considera ser sua por direito: a força. Não se trata de uma atitude inédita, pois o país tentou durante séculos compensar o seu atraso através da expansão territorial, executada com singular brutalidade.

No período soviético, porém, os seus ímpetos não só não se dissiparam, como se tornaram mais ambiciosos, servidos pelo proselitismo ideológico; procurando espalhar o comunismo pelo mundo, a Rússia expandiu-se pela exportação da sua doutrina, disseminando a sua influência pelos quatro cantos do planeta, o que fez desta – com a preciosa ajuda da ameaçadora bengala nuclear – um dos eixos do mundo bipolar do pós-Segunda Guerra Mundial.

Perdido o relevo na cena mundial, após o colapso da URSS, a Rússia não transitou com sucesso para o novo campo de batalha das grandes nações: a economia. Num mundo em que os Estados preferem a competição ao combate, a economia russa não alcançou os elevados níveis de crescimento e de inovação necessários para figurar entre os maiores.

Os sucessivos erros do processo de transição do modelo socialista para o modelo capitalista e a corrupção, outra pesada herança soviética, que cedo se expandiu, de forma transversal, condenaram o país a um pobre desempenho na “guerra” do desenvolvimento. O maior falhanço da Rússia, porém, foi a incapacidade de executar a primeira das reformas necessárias, comprometendo, assim, o sucesso das demais: a descomunização das cúpulas políticas e administrativas do Estado.

Boris Yeltsin não apenas não afastou antigas figuras do regime deposto, nomeadamente oriundas forças repressivas soviéticas, como lhes deu lugar de destaque, a exemplo do antigo dirigente do KGB, Evgeny Primakov, que fez primeiro-ministro ou Vladimir Putin, outrora funcionário da mesma organização, que escolheu como seu sucessor. Simultaneamente, o poder legislativo também não se mostrou disponível para viabilizar uma lei de saneamento, apesar dos esforços da deputada Galina Storovoitova, que pagou com a vida o seu desassombro.

Ficou, assim, selado o destino da Federação Russa, há duas décadas governada por um cadáver adiado da União Soviética, que encarna os vícios e os delírios de grandeza desta, alimentados pelo ressentimento pelo seu colapso. Confrontado com a decadência que ele mesmo promoveu, e sem outra forma de se tornar notado, Putin recorreu uma vez mais à velha receita do expansionismo, invadindo um país vizinho. A Rússia volta a ser o gigante ameaçador de outrora. A Leste nada de novo, infelizmente.