O mais chocante não é André Ventura e Rita Matias terem lido listas de nomes de crianças – já sabemos que a extrema-direita não olha a meios, que instrumentaliza tudo e todos, que não se importa com a verdade, nem com o bem-estar, nem com os sentimentos, nem com a liberdade de ninguém.
O único objetivo é chocar, dividir e criar os problemas de que a própria extrema-direita depois se alimenta para crescer e impor o seu projeto autoritário.
O mais chocante é, sim, a aceitação deste comportamento por parte de quem o devia repudiar. Sobretudo quando estão em causa crianças, que temos a obrigação adicional de proteger.
Alguém duvida que a leitura daqueles nomes tem como objetivo dizer a quem tem um nome diferente “tu não pertences aqui”?
É fácil imaginar o calafrio que sentiu cada pessoa que ouviu o seu nome ou o nome das suas crianças. É fácil imaginar o sofrimento que pode estar a ser causado a cada criança a quem foi dado um daqueles nomes, a pressão e o bullying de que poderão ser alvo. E também é fácil de perceber que o que foi feito é mais uma acha para a fogueira do discurso de ódio.
E por ser tão fácil, é ainda mais chocante que o Presidente e a Mesa da Assembleia da República considerem que a leitura destes nomes faz parte dos trabalhos normais do parlamento, e que a discussão se deve fazer no quadro do debate parlamentar, à luz de uma suposta liberdade de expressão. Mas não.
É papel da Assembleia da República zelar pela saúde da nossa democracia e pela liberdade de todos os cidadãos. Que liberdade existe quando as pessoas vivem com medo? Que liberdade existe quando as famílias já não sabem se podem confiar nas instituições? Que liberdade existe quando estamos a infligir sofrimento a crianças?
É papel da Assembleia da República e da segunda figura do Estado passar a mensagem para o país: não há discriminação pelo nome, todos os nomes são bem-vindos ao nosso país, as escolas são lugares seguros, o comportamento da extrema-direita não reflete o país que somos nem o país que queremos ser. Mas esse papel não está a ser cumprido, para mal das crianças, de todos nós e da democracia.
O que vale é a reação da sociedade civil, que tem sido bem audível na sua indignação – desde pessoas individuais, a associações de pais e mães, às escolas. Essa indignação mostra que há muita gente que não aceita esta normalização, que não aceita o ataque a crianças, que não aceita o discurso de ódio e que não aceita o país monstruoso que a extrema-direita está a construir com a conivência de quem o devia defender.
Essa indignação mostra que há muita gente que luta por um país livre, onde ninguém deve ter medo do seu próprio nome.