Quando as tropas de Hitler invadiram a Polónia a 1 de Setembro de 1939, os governos da França e do Reino Unido ficaram sem poder escapar à guerra que tinham tentado evitar durante anos. Quando Hitler avançou pela Renânia antes de anexar a Áustria e depois de invadir a Checoslováquia, tinham sacrificado a credibilidade da sua política externa e a soberania de outros países, e agora viam-se forçados a enfrentar um inimigo muito mais poderoso, não apenas devido ao aumento do seu poderio militar, mas também pelo “Pacto” assinado com a União Soviética de Estaline.

O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha dois dias depois, mas já a esperavam praticamente desde o final da anterior. Em 11 de Novembro de 1918, ao celebrar o fim da “Grande Guerra” de 1914-18, o primeiro-ministro britânico David Lloyd George disse desejar que aquela “manhã fatídica” sinalizasse o “fim de todas as guerras”, mas em Março de 1919, já escrevia ao presidente americano Woodrow Wilson avisando-o de que “cercar” a Alemanha com “uma variedade de pequenos estados contendo grandes massas de alemães”, como faria o tratado de paz que estavam a cozinhar, poderia conduzir a “uma guerra futura”, já que as tais “grandes massas” de “Alemães no exterior” clamavam “por uma” reunião com sua terra natal “. Como se veria, tinha razão.

Esses “pequenos estados” tinham nascido das ruínas do que até então tinha sido o Império Austro-Húngaro, a que a “Grande Guerra” pusera fim. Tudo começara com a decadência de outro império, o Otomano, e as perdas territoriais que sofrera nos Balcãs, que desencadearam um conflito pelo controlo desses territórios entre o Império Austro-Húngaro a caminho da desintegração e os nacionalistas sérvios com sonhos de expansão e união eslava (com o apoio russo).

A Sérvia provocou a guerra matando o herdeiro da Coroa austríaca, levando o Império a declarar guerra à Sérvia, o que fez a Rússia declarar guerra ao Império, o que fez a Alemanha entrar em guerra com a Rússia, forçando a França a juntar-se ao seu aliado contra a Alemanha, que teve de invadir a Bélgica para invadir a França, forçando o Reino Unido a declarar guerra à Alemanha.

Quatro anos depois, milhões tinham morrido, ficado feridos ou traumatizados pelo conflito, e os países que nele tinham participado viram a suas economias e os seus sistemas políticos (ou ambos) entrar em colapso, ou, como a Áustria-Hungria, deixaram de existir. Juntamente com o peso das “reparações” que obrigava a Alemanha a pagar aos seus inimigos, o Tratado de Paz de Paris de 1919 partiu o Império, dando origem a vários países que eram tão multiétnicos quanto a Áustria-Hungria o fora, mas sem dar a essas minorias o mesmo tipo de garantias que o Império lhes oferecia.

Entre essas minorias, como Lloyd George alertara, estavam os alemães, alvo de violência e discriminação, membros de um “volk germânico” disperso que cedo olharia para Hitler e uma “grande Alemanha” (e para a perseguição e extermínio de outra minoria, os judeus) como a solução “final” para os seus problemas. E se antes de 1914 qualquer sonho de expansão alemã teria esbarrado na fronteira com uma “Grande Potência” (França, Áustria-Hungria ou Rússia), depois de 1919 os vizinhos da Alemanha eram pequenos países militarmente frágeis, como a Checoslováquia, a Polónia e a recém-diminuída Áustria.

Quanto às “grandes potências”, tinham deixado de ser assim tão “grandes”, enfraquecidas pela Primeira Guerra Mundial e pelo colapso do comércio mundial depois da Grande Depressão ter feito o proteccionismo parecer atraente.

A França, como mostraria a sua posterior rendição e cooperação com a ocupação Nazi, não tinha capacidade militar suficiente para se defender, quanto mais para proteger os checos e os polacos.

O Reino Unido era mais forte, mas temia – com razão, como provariam a passagem do tempo e os eventos que ela trouxe – não poder defender simultaneamente a Europa da Alemanha e o seu próprio Império das ameaças que enfrentava.

E a URSS, que havia cedido um terço das suas terras agrícolas e 90% das suas minas de carvão em troca de uma paz precoce na guerra de 1914-18, estava agora demasiado ocupada com seus próprios esforços de escravização e limpeza étnica em casa para se sacrificar em prol das democracias ocidentais, especialmente quando estas desejavam proteger a integridade territorial da Polónia, enquanto Estaline desejava violá-la. Quando surgiu a possibilidade de uma parceria com Hitler para conquistar e dividir o vizinho comum, Estaline agarrou-a com as duas mãos (e nem depois de Hitler o ter traído a quis largar).

Restavam, é claro, os Estados Unidos, que tinham entrado na guerra em 1917 e saído dela como o país mais poderoso do mundo. Mas o seu era um poder que as suas instituições e o seu eleitorado não queriam usar. Em 1920, o Senado votou contra o Tratado de Paris e impediu o país de se juntar à Liga das Nações. Nos anos 30, o Congresso afirmou repetidamente a sua falta de vontade de intervir em conflitos europeus.

O aviador Charles Lindbergh juntou-se ao magnata Henry Ford na fundação do “America First Committee”, defendendo publicamente a neutralidade americana e não conseguindo  esconder a sua simpatia por Hitler e os nazis. Políticos influentes como o senador Robert Taft argumentavam que a entrada na guerra forçaria os EUA a “manter perpetuamente uma força policial na Alemanha e em toda a Europa”, e desaconselhavam a opção.

Passados 80 anos, o presidente Trump ressuscita o slogan “America First” de Lindbergh, negligencia o relacionamento dos EUA com os seus aliados e afirma que os Estados Unidos não deveriam ser o “polícia do mundo”. A maioria dos candidatos Democratas à nomeação do seu partido para as presidenciais de 2020 parecem cépticos em relação ao intervencionismo americano. E o próprio eleitorado parece acreditar que o país deveria ser mais “contido” no seu papel internacional.

A lição de 1939, no entanto, aponta na direcção oposta.

A relutância dos Estados Unidos em se envolverem na guerra na Europa antes de terem sido atacados pelo Japão em 1941 deu aos desejos alemães de um “espaço vital” tempo suficiente para matar milhões de pessoas e quase destruir um continente inteiro. A presença da América no continente europeu depois de 1945, por sua vez, impediu uma guerra entre os russos e os europeus ocidentais.

Se se retirar dos conflitos latentes em lugares como a Europa ou a Ásia e deixar de reafirmar a sua disponibilidade para apoiar firmemente os seus aliados perante ameaças de regimes autoritários brutais como os da Rússia ou da Coreia do Norte (que Trump tanto parece admirar), os Estados Unidos acabam não apenas a convidar esses regimes a testar o empenho do país nas suas alianças, mas também a dizer aos aliados que precisam de aumentar os seus esforços de despesa militar para garantir a sua própria capacidade de se defenderem.

O presidente Trump e os seus fãs (nos EUA e neste lado do Atlântico) talvez achem que esse seria um resultado positivo, mas ter potências regionais a aumentar o seu poderio militar implicaria também um aumento do risco de um conflito regional, pois cada uma delas ficaria com medo da força crescente dos seus pares.

Na Europa, na Ásia, em África ou no Médio Oriente, a ausência ou inacção de uma potência global suficientemente poderosa para estar acima dos equilíbrios de poder regionais deixa um vácuo que incentiva as potências locais em questão a entrar numa corrida às armas que as aproxima de uma guerra. Por muito que a ideia desagrade a muita gente, o mundo precisa mesmo de um polícia, e não ficaria mais seguro se esse papel fosse desempenhado por outra potência que não os EUA.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.