O ano de 2020 fica inevitavelmente ligado à propagação do vírus, passando da incredibilidade da doença à evidência da pandemia, e o que era ficção rasgou a realidade. À notícia de uma doença distante e nas antípodas, o planeta foi confrontado com a feroz realidade de infetados, internados e mortes em crescendo, atingindo todos os países, todas as pessoas, sem qualquer distinção entre aqueles com melhores sistemas de saúde, melhores profissionais e – julgava-se – melhores capacidades de resposta.

Durante longos meses regressámos à História, recordámos as pestes, reconhecemos a pandemia e os efeitos em Espanha de há um século. Durante semanas, foram crescendo as restrições às liberdades, foram alargando condicionamentos à circulação de pessoas e bens, as fronteiras fecharam e os países isolaram-se dos vizinhos. A economia e as finanças públicas encolheram, o comércio estagnou, sectores inteiros, como a cultura, o turismo ou a restauração, definharam.

Os governos, apanhados de surpresa, renderam-se à nova realidade e assumiram medidas que se foram tornando mais duras à medida que o vírus se espalhava, tentando entrelaçar decisões, com liberdades e salvaguarda do futuro imediato da recuperação da organização económica.

Neste cenário dantesco, indesejado e negativo, há lições positivas a retirar. A prontidão e a generosidade dos profissionais de saúde, a forma civilizada como a generalidade das populações encararam as medidas restritivas, a resposta que os vários sistemas deram com alguma serenidade à crise causada pelo vírus, não havendo registo de nenhuma sublevação ou mudança de regime por força dos desconforto ou desagrado perante as decisões tomadas, mesmo quando algumas foram tardias ou ineficazes.

Há ainda outras questões a realçar. O entendimento entre estados na troca de informação e que motivaram medidas semelhantes em muitos países. A forma como a Europa soube intervir de forma integrada, nomeadamente no processo de aquisição e distribuição das vacinas. A solidariedade que, em vários momentos, se evidenciou no acesso a medicamentos e a equipamentos médicos. E ainda as consequências positivas no ambiente, embora por força da redução da produção industrial e do trânsito, consagrou o caminho para o controlo no futuro de emissões na atmosfera.

Contudo, a mais relevante consequência positiva a registar foi no domínio da ciência ou melhor da investigação científica. O entendimento entre investigadores, universidades e indústria e mesmo com a finança internacional, na troca de informações que levou em tempo recorde se tenham desenvolvido múltiplas vacinas, que chegaram ao mercado com eficácia e prontidão extraordinária.

Isto mostra que quando confrontada com uma dificuldade absoluta, a humanidade sabe transfigurar-se e num espírito de preservação demonstra coletivamente que compreende a necessidade de se salvar.

Esta lição tem de ficar registada para a História como o facto mais relevante deste século e provavelmente para as próximas décadas: o momento em que o mundo se salvou de si próprio.