Por contingências atinentes aos prazos para a versão em papel, calhou-me em sorte escrever estas linhas em tarde de greve dos senhores funcionários de justiça e nas horas deixadas vagas por um julgamento adiado. Neste mesmo dia, em que imagino que o cenário se tenha repetido pelo país, a ministra da Justiça veio a terreiro defender que nunca se esteve tão bem. Nada mais errado, Senhora Dr.ª Os números que são apresentados resultam, antes de mais, de uma operação de cosmética, assente em cinco pilares que, uma vez desmontados, demonstram o oposto do que se apregoa.

Em primeiríssimo lugar, diga-se o que se disser, as custas judiciais em Portugal são caríssimas, desincentivando-se, ao contrário do que enuncia a Constituição, o cidadão médio a recorrer aos tribunais, num regime em que praticamente só os chico-espertos ou os profissionais do próprio sistema de acesso conseguem obter apoio judiciário.

Por outro lado, os juízes são hoje essencialmente avaliados com base na quantidade de processos que fazem, não interessa como, findar, remetendo-os para um estado de pressão que tende a produzir decisões aceleradas e, quando as mesmas se tornam tristemente públicas, em vez de se questionar o regime, o que se faz é apresentar medidas paliativas que mais não conduzem do que ao perpetuar do erro.

Seguidamente e à semelhança do que se passa no resto do país, vivemos numa manta de retalhos que, sempre que puxada para um lado, deixa escapar outro. Não há funcionários nem magistrados suficientes e o Estado não paga horas suplementares a qualquer um deles. Os meios estão, muitas vezes, no limite e os tão proclamados sistemas informáticos falham a todo o transe enquanto a máquina de propaganda nos inunda de publicidade enganosa sobre o actual facilitismo da burocracia.

Em quarto lugar, os órgãos legislativos habituaram-se a resolver problemas existentes com exercícios de maquilhagem que em nada resolverão os primeiros mas servem, apenas, para captar votos de incautos, criando-se novelos de legislação que impedem o conhecimento claro e inequívoco de direitos e deveres.

“Last but not the least”, há uma classe profissional que tem sido o sustentáculo de todo o acesso ao direito e que não vê a sua tabela de honorários aumentada desde 2004, debatendo-se não apenas com questões de subsistência como, agora também, de dignidade. Sim, para que dúvidas não restem, sem advogados não há Justiça e, seguramente, sem o esforço daqueles que estão no regime de acesso ao direito, os tribunais serviriam apenas para os consumidores de bens de luxo.

A questão, quanto a mim, não é, portanto, se Francisca Van Dunem tem razão, sendo evidente que não. É como é que ninguém, ouvindo tais declarações, não lhe diz exactamente isto na cara. Tenha vergonha. Se não da inércia, pelo menos da mentira.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.