Ó, pá, fique lá com o seu gerúndio e deixe o Camões em paz! Foi o que MST escreveu recentemente, respondendo à entrevista (acho que eram 8 páginas… nem sabia que havia entrevistas tão grandes no Expresso) ao escritor brasileiro Sérgio Rodrigues.

Pois bem, permita-me retorquir, com toda a estima e provocação que uma boa conversa merece: “fique lá com o seu Camões e deixe a língua portuguesa ser aquilo que ela é” — um tesouro imaterial que não pertence a ninguém, mas é vivido por todos.

Permita-me, caro Miguel, começar por uma provocação: a língua portuguesa não é um monumento de pedra, inamovível e intocável. Ela é como o vento, atravessa oceanos, esculpe montanhas e, ao contrário do que muitos pensam, não respeita fronteiras. A língua não tem dono, meu caro. O que preocupa é que, ao tentar proteger a língua de “contaminações” brasileiras, você e a elite cultural que representa, podem estar, sem perceber, contribuindo (gerúndio) para a sua própria destruição.

Você deve estar pensando: “Lá vem mais um brasileiro a querer me convencer que o português europeu deve se submeter ao brasileiro!” Mas, permita-me corrigir: sou um português que já atravessou o Atlântico mais de 100 vezes e que, para além de conhecer profundamente os escritores mortos, tem o prazer de conviver com muitos dos que ainda estão vivos.

Não se trata de submissão, mas de convivência. E, se Portugal não aprender a conviver com essa diversidade, corre o risco de se tornar uma ilha cultural, perdida num oceano onde as ondas já não obedecem ao vento de Lisboa.

Camões é nosso, é verdade. Mas também é deles. E não é preciso o Brasil abrir mão do gerúndio, das suas expressões, da sua musicalidade para provar que faz parte dessa grande família lusófona. Aliás, a beleza da língua portuguesa está justamente aí, nessa capacidade de incorporar, de se reinventar, de ser simultaneamente do passado e do futuro.

Miguel, meu caro, não se trata de abdicar de nada. Trata-se de reconhecer que a língua portuguesa, ao ser falada por mais de 260 milhões de pessoas, é muito mais do que aquilo que se fala em Portugal. E essa diversidade é o que a torna tão rica. Ao invés de temer essa evolução, devemos abraçá-la.

Se continuarmos a insistir em uma postura de controle, de tutela, corremos o sério risco de ver o Brasil criar uma língua separada. E aí, o que restará de Camões, que tanto prezamos? Fica aqui o meu apelo, entre uma provocação e outra: que possamos, juntos, celebrar essa língua que nos une, sem medo de que as suas variações a enfraqueçam. Pelo contrário, é na diversidade que ela encontra a sua verdadeira força.

Com a admiração de quem já atravessou o Atlântico mais de 100 vezes e por isso acredita no poder da palavra.