Há 80 anos, os libaneses declararam a independência da França, naquele que foi um episódio conturbado da (longa) história do país. Em 1943, ainda nas garras das autoridades francesas, lideradas por Charles de Gaulle, o Líbano organiza as suas primeiras eleições democráticas e o novo Governo consagra o fim do mandato francês através da Constituição Libanesa.
O ato enfurece de tal forma as autoridades francesas que os líderes foram aprisionados pela ousadia. Com o apoio da comunidade internacional, todos os libaneses, de todas as comunidades, uniram-se em grandes manifestações populares e exigiram a libertação dos presos políticos. A França cedeu e a 22 de novembro de 1943 o Líbano proclamou definitivamente a sua independência.
Hoje, 80 anos depois, a ocasião é celebrada num perigoso vazio de poder, com o país sem presidente desde outubro de 2022, e com um governo de gestão. Dizer que o Líbano subsiste à conta do seu antigo sistema tribal e confessional não é exagero. Sob as lideranças etno-religiosas de cada comunidade, os libaneses seguem milagrosamente em frente, numa vida que muitos de nós consideraríamos impossível.
Quando o Hamas lançou o ataque a 7 de outubro, a minha família encontrava-se no Líbano, e o pânico era maior entre os emigrantes da diáspora. Para os libaneses, era apenas mais um episódio sangrento numa longa história de violência.
As fronteiras a sul do Líbano estão agora sob fogo, enquanto combatentes palestinianos e libaneses de vários movimentos islâmicos lutam contra as tropas de Israel. A velha elite libanesa, odiada pela população pelos seus costumes corruptos, não tem soluções, mas também se recusa a ceder o lugar a ‘sangue novo’.
Como é que sobrevivem, sabendo que ao lado estão a ser cometidas tantas atrocidades? Mas depois penso: como sobreviviam à brutal guerra síria que também afetou o Líbano? Como sobreviviam à própria guerra civil nos anos 80? Como sobreviviam às crises políticas dos anos 50? Como sobreviviam às constantes investidas dos Paxás Otomanos para subjugar rebeliões? E poderia continuar recuando no tempo. Mas quando se conhece esta faixa de terra tão cobiçada no Levante, percebemos que é o amor da população pela terra ancestral dos seus antepassados que mantém o país vivo. Um amor que foi cruelmente negado aos vizinhos palestinianos, cada vez mais com as esperanças destroçadas.
Mas nem sempre reinou o terror e sofrimento. A perseverança das suas comunidades e povos é aquilo que permite que se continue a escrever a longa e assombrosa odisseia dos povos do Médio Oriente em busca de paz.