Durante o resgate, a esquerda que mergulhou o país na desgraça que o trouxe não teve o mínimo pudor em fazer, desde o primeiro minuto, uma oposição duríssima a quem tentava recuperar o país do abismo em que o abandonaram. Para a esquerda, em política há um único objectivo: antingir e manter o poder, para tal, excerbando Maquiavel, todos os meios, mesmo os eticamente reprováveis, se justificam para o cumprimento deste fim. É fácil comprovar esta tese observando o tempo presente e a ausência dos protagonistas de então.

O anúncio da actualização das pensões é uma vergonha. Ao contrário do governo anterior, o actual prejudica as pensões mais baixas e favorece as mais altas, num acto de profunda injustiça social. Onde pára a Dra. Rosário Gama e a sua Apre? Onde estão as camionetas de idosos indignados a desaguar em manifestações lisboetas?

Um número escandaloso de escolas, com o emblemático Liceu Pedro Nunes à cabeça, fecham portas por falta de pessoal. Milhares de professores ficam sem colocação, mais precários que nunca. Onde pára Mário Nogueira e a sua Fenprof? Onde estão os pais desesperados à porta das escolas? Onde estão as jornadas de luta que paravam o país?

O Hospital de S. João fica sem anestesistas, os pagamentos na Saúde derrapam todos os dias, faltam meios essenciais. Onde estão as corporações do sector que invectivavam o anterior governo diariamente nos telejornais? Onde estão os doentes e os seus familiares, a quem não chega o que é estritamente necessário e devido?

O capítulo sobre a deficiência neste Orçamento é cínico e insultuoso. Onde estão todos aqueles que se manifestaram frente ao Parlamento? Na altura, dei-lhes razão porque a tinham, e a sua voz foi ouvida e considerada. Hoje, deixam-se manipular e ver os seus direitos espezinhados pela hipócrita geringonça.

O gasóleo subirá sem razão, por via de ainda mais impostos. Onde estão os buzinões? As marchas lentas? As criativas manifestações e os desabafos insultuosos nos postos de abastecimento para o telejornal da noite? Onde está a indignação dos recém-licenciados em dramaturgia sem garantia de emprego? Onde estão as reportagens em Londres ou Genebra com os estudantes traumatizados que a geringonça obrigou a emigrar? Onde estão os “anónimos” que trouxeram o caos urbano a Lisboa? Onde estão as capas e batinas inconformadas que gritavam palavras de ordem na Avenida da Liberdade?

Pois é, a direita acredita que o combate político se faz em sede parlamentar e institucional, pela dialéctica da troca democrática de argumentos e propostas. A esquerda, como sempre anuncia, responde com a luta. A direita preocupa-se em demonstrar como se pode governar melhor. A esquerda mostra que mina qualquer governação pela via do protesto.

O protesto, ou a “luta”, não são mais do que uma organizada e eficaz manipulação das massas para a prossecução de fins que lhes são completamente alheios. O ambiente da “luta” gera mais luta e mais instabilidade; a dada altura, os berros mentirosos de Galamba ecoam mais do que qualquer argumento sólido e sério proferido com educação. É este círculo vicioso que caberá à direita quebrar. Não será fácil enfrentar uma práxis consolidada de anos e com braços armados bem estabelecidos. Haverá arte e engenho para tal?

O autor escreve segundo a antiga ortografia.